sexta-feira, 23 de abril de 2010

- Vale dos Rios -


Eu, após ter caído de um astro celeste, levanto-me do chão e tenho consciência de estar num lugar nunca antes contemplado por minha vista. Mais adiante vejo três pessoas andando, chamo a elas, mas não escutam ou me ignoram, aproximo-me um pouco mais e percebo que essas pessoas tiveram os olhos arrancados e em seus rostos, havia cicatrizes que formavam palavras, no primeiro estava escrito “lágrimas”, no segundo, “visão” e no terceiro, “vale”.
Eles dirigiam – se para uma pilastra de concreto que havia no meio do caminho, me aproximei, pois fui tomado de intensa curiosidade, diante da pilastra, começaram a tocá-la, mas qual o sentido de tocar uma pilastra?
Não havia observado direito, mas ela estava repleta de símbolos e de palavras, e mais abaixo vi algo que me provocou terrível pavor, havia nesse muro três pares de olhos presos, e próximos a eles estava escrito: “choro eterno para alimentar o vale que não mais é visto”. Tudo era tão misterioso e triste, aqueles pessoas, implorando pela visão, e seus olhos covardemente arrancados e presos no muro, condenados a chorar eternamente, perguntei-me, que cruel demônio poderia ter feito tamanha atrocidade?
Um dos olhos virou-se para mim, agigantou-se, e me engoliu, era como se entrasse no seio da terra, mas não era só terra, mas também água salgada, vento frio e fogo. Não sei onde estou agora, vejo planícies, mas não vejo horizontes, vejo claridade cinza, mas não vejo nenhum sol, mais adiante há uma fila de homens com a barba crescida, dirigem-se a um despenhadeiro, sigo atrás deles para ver o que está acontecendo. Lá em cima há um barranco, e mais abaixo um lago, e desse lago originam – se muitos rios, mas não vejo nenhum mar.
Os homens, um a um, deslizam pelo barranco em direção ao lago, alguns se afundam e desaparecem, outros são arrebatados aos céus, percebo que estou numa fila, a minha vez está se aproximando. Pânico, pavor, medo de se afogar, suor frio minando do fundo da alma. Meus pés suados e trêmulos escorregam e caio no barranco, mas uma mão me segura e me ergue dizendo: “calma, ainda não é a sua vez”.
- Que lugar é esse? Pergunto a ele.
- Que diabos você faz aqui? Esse é o “vale dos rios”, e aquele é o “lago das lágrimas”, suas águas brotam da dor de todos aqueles que nele se afundam, toda dor humana, toda tristeza, todas as maldades, melancolias, tudo se materializa e alimenta esse vale. Estar aqui é aniquilar todas as possibilidades e você, com essas asas de metal, irá afundar, as lágrimas encharcaram seu coração e aprisionaram sua mente, todas as possibilidades de vida lhe serão negados, todos os sorrisos contemplados serão apagados, todos os abraços, as despedidas e os reencontros, as palavras bonitas ditas e ouvidas, os mais doces perfumes com os quais já se encantou, as almas com as quais conversou, tudo é devorado, tudo é arrancado da mente e do coração. Do coração!!!!
Do coração!!!! Do coração!!!! D o c or a çã o ! ! ! !
Essas palavras ecoaram em minha cabeça e parecia que a mesma iria partir e se abrir e sairia algo de dentro dela. Dei um passo, outro passo, caí de costas e deslizei barranco abaixo, meu corpo patinava sobre as lágrimas do rio, flutuava, perguntava-me quando que meu corpo afundaria e seria tomado por toda aquela melancolia funesta.
De repente senti um sopro que me levou para cima, meu corpo ficou paralisado, tentei olhar para baixo, mas meu pescoço endureceu e tudo ficou branco, houve um dia e uma noite, e então fui expulso pelo céu que estava e lançado à terra.

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