terça-feira, 21 de setembro de 2021

- Primavera -



A memória vem, constantemente, como um maremoto destruindo uma cidade. Assim como há escombros espalhados, meu corpo se encontra, com pedaços de alma e coração em cantos dispersos. Morrer é doloroso, mas, experimentar a ressurreição compensa toda a dor e nos faz se reconciliar com o passado.

Sou aquilo que sou, pois vivências vivem em mim inocentemente. Ver a própria morte a partir dessa perspectiva nos faz agradecer ao despedaçamento e dissolução de si.

O messias, após sua morte por suplício, perdoou e agradeceu aos seus carrascos. Bendito o carrasco que nos mata. Morrendo, a vida virá a florescer, a primavera mostra-se em um novo sorriso só depois que o inverno acaba.

Sou uma criança experimentando o mundo, na palma da mão.

sábado, 18 de setembro de 2021

- Despedaçamento e ressurreição -


Estranha sensação, o rosto desenhado na areia do mar tal como as palavras escritas apagam-se com o vento que sopra e tudo leva. A memória, assim, se esvai e o que sobra é apenas uma indiferença, um aprendizado e nada a menos.

Li o futuro na palma da mão, na superfície das cartas em quatro cantos do mundo e, em cada canto, cantou a mesma canção. Saber do futuro é uma maldição, pois angústia e ansiedade te devoram dia a dia. Assim, o desejo quer aquilo que não pode.

O desejo é a falta ou a saudade daquilo que nunca esteve presente.

Bruno, o despedaçado no ventre da mãe por Zeus. Bruno, o sacrificado e crucificado. Bruno, o que se afoga na água que inunda toda a cidade.

Bruno, o três vezes ressuscitado!

Vim dos mortos para caminhar uma nova vida nesta terra. Um novo espírito, em um corpo envelhecido.

Amém!

terça-feira, 14 de setembro de 2021

- Elogio à suspeita -


Hoje, a aurora finalmente se mostrou. O sol emergiu desmoronando toda a escuridão que me impedia de ver. Afastou também os fantasmas que me amedrontavam, filhos da noite. Essa mesma noite, longa noite, encarnou-se como metal pesado e, por um longo tempo, não pude mais voar.

Asas de metal! O espírito se fortalece em cada luta para erguê-las. Olhei para o horizonte, estou só. Palavras de primavera sopram meus ouvidos, mas sempre há a suspeita. A suspeita é primordial para não se afogar, levado pelo canto das sereias. A certeza é o momento certo, mas é a suspeita que nos proporciona cautela.

Uma imagem sempre vem, com vários rostos que se alternam. Pode ser ou pode não ser. Muitas possibilidades, porém, o possível apresentado dissimula o caminho mais promissor. Sei para onde devo ir, mas com cautela, pois há, ainda, um bocado de suspeita.