sábado, 30 de outubro de 2010

- O alvorecer de um novo Davi -


Davi há muito tempo tornara-se homem, porém, olhando sua estatura, as pessoas, vitoriosas e derrotadas, segundo dogmas sacerdotais do deus Markt, o chamavam de “menino”. “Venha cá menino” ou “muito obrigado garoto”. Assim escutava diariamente ao cumprir suas tarefas provedoras de sustento.


Ao ouvir essas palavras pensava consigo: “tamanho nunca teve a ver com aparência”, mesmo indignado permanecia e tolerava, pois era impossível provar ao mundo inteiro, ou pelo menos a todas as pessoas da cidade, da grandeza que sabia possuir.

Diziam eles: “lá vai Davi, sempre quicando de um lado para o outro, indo para onde o empurram”. “Sempre aprendiz, nunca guerreiro como nós”, diziam homens de braços e barrigas grandes que se consideravam alguma coisa nessa vida.

Mas Davi tinha um sonho, queria um dia se tornar um guerreiro, porém não como os barbuchudos e barrigudos que conhecera, mas sim como um que viu há muito tempo e que jamais, em suas andanças pela terra, viu alguém semelhante. Este diferenciava de todos e era único em sua singularidade, pois tinha a capacidade de voar com asas de metal.

O tempo nunca decorre, sempre se afirma, céu escuro e firme. Das nuvens obscuras surge uma fera imensa, grandiosa, que devora e destrói a tudo que se ergue. Todos os guerreiros e também os demais puseram – se a lutar, mas era ineficaz.

O tempo nunca decorre, sempre se afirma.” Afirmo – me agora”, pensou Davi, sentou sobre uma criatura alada, voou, sem deus, sem garantia. Seu coração era seu deus, lançou-se velozmente até tornar-se um raio na imensidão do céu. Todas as pessoas o viram e não acreditaram, a claridade do raio que se tornara feriu todas as vista possíveis e, num instante, transpassou a criatura a muito temida.

Ninguém nunca mais o viu e essa história durante muito tempo foi recontada, reinterpretada, re – dita. Continuada e vivida de inúmeras maneiras diferentes. Que assim seja....

.....”HERÓI”




domingo, 24 de outubro de 2010

- Tábua dos bem – aventurados V: Do caminho sem propósitos -


Aprender a voar com asas de metal.


Compreender a vida como instante de raio.

Estar repleto de si mesmo.

Escutar a própria alma entoar uma canção.



É tudo o mesmo exacerbado e expandido, comprimido e intensificado.



Caminho do guerreiro errante, amante das desgraças, admirador de cicatrizes, carrega no peito um coração de retalhos.

Um raio cai sobre seu corpo, aperta-o por entre as mãos e golpeia o ar fazendo surgir inúmeros pontos de origem de futuro.

O corpo pensa e fala simultaneamente, “incessantemente”...

Por traz de toda essa correria há um sonho de vida...

Que se realiza...

Em

Algum

Lu

Gar......

- Inquietude -


Meu semblante sereno abriga um espírito que se debate.


Gotas d’água caem e retiram a lama.

Cada impacto uma deformação.

Em cada deformação uma reconstrução e uma tentativa de reafirmação.

Meu espírito quer corporificar-se, abalar e sacudir o mundo.

Há milênios castigado grita o espírito, sofredor, rangedor de dentes.

Confinado na serenidade do corpo segura um relâmpago e golpeia internamente, cria rachaduras, buracos. O corpo racha, rechaça, mas é resistente. Calmaria e conformidade, animal que apanha nas costas, superfície corporal endurecida.

O espírito golpeia, quer sair e ganhar o corpo, rebelar-se, voar.

O Turbilhão do espírito devora e rasga, eleva, abala o mundo.

Nervoso, mordo e arranco sangue dos meus lábios, observo meu olhar, alguém vai morrer, sinto que posso morrer, o frio passa e sinto calafrio. Gato pulando o muro, caindo e correndo escuridão adentro... Vendaval!!!! AHHH!!!!!

Me joguei da montanha e não voei!!!!!!!!

Me joguei no mar e não mergulhei!!!!!

Rodopio e crio luz, viro estrela de ponta de pé no chão.

Inquietude!!!!

Inquietude incessante!!!!

Inquietude, sinto choque por dentro do corpo arranhando.

Minha mente assim é cortada, meu espírito assim chora, meu corpo assim sofre.

Medos não manifestados...

Vidas não vividas que amargam.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

- Não Permanência -


Eu parti com os pés sangrando e o coração em retalhos assim como aquele que me lembrou de quem eu sou.


Eu parti aos tropeços, caindo às vezes e ferindo minhas mãos, mas delas a vida nunca me escapou.

A mulher eterna na rosa que exibia o coração escondia algo em seu olhar. Olhei fundo em seus olhos, havia um buraco, tão negro, tão obscuro, tão profundo e sem fundo que tragava para dentro de si todo o brilho existente no olhar.

Olhava ela atentamente seu coração, tão puro, tão perfeito e bonito. Por um momento perdeu-se em seus pensamentos, seus olhos pararam de piscar por um momento e, quando retornaram a piscar, trouxeram consigo gotas de lágrimas.

Punhal cravado no coração abrindo um rastro de sangue que escorre, logo logo tornar-se-á uma cicatriz de comprimento semelhante a uma estrada. A flor lentamente desaparecerá e pés e pernas surgirão. Coração bate, sangra, bombeia vida para o resto do corpo.

- "Aidós" -


Uma borboleta veio e sussurrou palavras em meus ouvidos, disparei em velocidade e me lancei contra um muro. Agora há passagem, mas meu coração foi fragmentado. Talvez, se tivesse feito de forma distinta da que a borboleta soprou em meus ouvidos, não teria fragmentado meu coração. Mas não importa, tenha caminho por entre o muro, vou juntar todas as partes do que ficou fragmentado e costurar.


Uma luz veio e feriu-me os olhos, praguejei contra ela, mas para saber se realmente a intenção da luz era ferir meus olhos, devo atirar meus pensamentos para o mais distante que se possa pensar e alcançar a origem de tal luz. A origem nasce fraca e pura, mas os acontecimentos a moldam e em sua trajetória adquire agregados que lhe distorcem e embrutecem.

Uma canção de flauta veio e tomou meus ouvidos, segui com passos de pés ensanguentados caminho do muro adentro. Pés sangrando, corpo em pedaços e coração costurado. De cada gota de sangue que escorre pelo meu corpo brota um conhecimento.




Sigo a canção de flauta e vejo uma mulher em uma flor ou flor em mulher, enxergo com dificuldades, mas ambas as criaturas são uma e a mesma criatura e dela provém tal canção de flauta. Canção de sereias atraindo pescadores para a morte, enfeitiçados seguem o balanço do mar, enfeitiçados seguem o canto do olhar. Criatura mista e garrada. Exibe a todos seu coração intacto, sem rachaduras, repleto de vitalidade e beleza assim como sua face, assim como teu corpo. Assim, observando, permanecem muitos homens. Assim, observando, permanecem muitas mulheres. Tal criatura, repleta do belo mas carente de movimento, sua beleza infinita marca um ponto, mantém-se na rosa, teme sair e não mais ter beleza, por isso aprisiona a todos com sua canção de flauta, por isso seu coração é sem rachaduras, cheio de vitalidade, belo.


Mas o meu, repleto de retalhos, que perdeu muitos pedaços e os tem espalhados nos inúmeros lugares que passei, é feio, tem caminhos traçados por linhas de costura. O máximo que posso fazer é suplicar por um pouco da contemplação do belo assim como esses homens, assim como essas mulheres.

Caminhava eu com meu coração em retalhos, segurei com a mão, olhei para ele e decidi jogá-lo fora. Vou ficar ali, com aquelas pessoas, talvez em meu peito nasça um novo coração e assim poderei zelar por ele para que nunca se arranhe ou se quebre.

Coração, o chão será sua morada e não mais meu peito.

“O que você é?” Gritou uma voz. Olhei de semblante baixo e vi um homem com uma cabeça de leão.

“Sou um guerreiro errante, eternamente pecador.” Respondi.

Olhou em meus olhos com seu olhar selvagem de fera com coração forte.

“Antes de fazer isso lembre-se de algumas coisas: quem você é; para onde decidiu dirigir seus passos; e pelo quê você luta. Você optou ser um guerreiro, mas, agora é com você.”

Peguei meu coração e o pus novamente em meu peito, bateu forte, bateu alegremente. “Aidós” gritou o homem com cabeça de leão, “sempre quando sentir que fraqueja, lembre-se dessa palavra”. Partiu então o homem com cabeça e coração de leão. Partiu também o guerreiro com semblante de homem e coração costurado. Permaneceu, com seus corações e belezas intactos a rosa-mulher e todos aqueles que temiam se fragmentar e assim ter que sempre se reconstruir.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

- Sacrifice -

Pego uma arma e disparo contra minha alma, é no suicídio que encontro comigo mesmo.


Salto por cima dos dias em que me ausento de minha presença, espero sobreviver à vinda do grande tornado.

Estou de pé, ainda, mas minhas asas de metal se tornaram pesadas demais e isso tem feito rachaduras em minhas pernas.

Sacrifico – me ao eu que ei de vir sem mortalizar o que estou sendo.

- Retirando a carcaça. -

Passei


Passei rápido demais,

As pessoas dessa cidade reteram em suas retinas apenas minha sombra.

Minha sombra. Minha sobra. Ofusca-lhes a visão.

Não veem a mim em meio a essa cor cinza.

Passei e por um momento parei,

Enfiei minhas unhas por dentro de minha pele e arranquei minha carcaça escamosa, tão dura, tão seca, tão imóvel.

Retirei minha carcaça, minha carapaça, troquei de pele e larguei a antiga no meio do caminho.

As pessoas da cidade, com os olhos ofuscados pela sombra que deixei, observam minha carcaça e se perguntam: “Quem é tal homem caído no chão? Sempre imóvel, sempre rastejando no mesmo lugar. Quem será?”

Observam e definem, dizem ali ser homem e o guardam para a eternidade. Eu há muito passei e larguei no meio do caminho o que já não sou mais. Mas o que sabem sobre o que sou é apenas sombra e carcaça.

domingo, 10 de outubro de 2010

- O que constitui o guerreiro: O encontro com o Filósofo. -


Ando em meio à tempestades, não mais escondo-me em minhas sombras. Ali, por entre aquelas montanhas, há uma pequena cidade. Talvez encontre abrigo, talvez encontre a repulsa, talvez encontre o inesperado, pois a magia dos momentos se encontra nas pequenas surpresas. Mas magia não somente é brilho, as proporções de seus efeitos são inimagináveis, podendo atrair desgraças e precipícios. Porém não mais me amedronto, aprendi que todos os acontecimentos que emergem no caminho do homem são constitutivos do guerreiro.


Embora pudesse avistar tal cidade, ou melhor, tal vilarejo, pois havia poucas moradias e estas, erguiam - se com todas as fibras possíveis de se reunir. Percebi isso, pois resistiam a essa tempestade, terrível, assustadora. Chegando, ao centro, havia uma pequena praça, as pessoas se escondiam em suas casas, fechavam as portas e janelas, temiam tempestades, eu porém, sou amante de tempestades, é impossível para mim conceber meus caminhos isentos de tal acontecimento.

Observei com vista cansada, mas não abalável, meus olhos nada cansam de ver, e quanto mais veem mais visão desejam. Vi então dois homens em meio a essa praça, usavam roupas escuras, uns trajes nunca vistos antes por aqui. Usavam faixas em suas testas portando palavras que, pelo fato de estarem expostas em suas testas, deviam significar muito para eles. Na cabeça de um estava escrito: “Mestre”; no outro: “Doutor”.

Conversavam em voz alta em meio à praça. Falavam como se suas vozes fossem dotadas de poder, pois suas palavras eram afiadas como facas. Pude ouvir então eles comentarem que logo mais acima havia uma cabana. Dizia, segundo o que escutei, que ali era a morada de um filósofo.

“Mestre” e “Doutor” puseram – se a caminho. Eu, mesmo não temendo tempestades, mas atendendo às necessidades do corpo, pus-me a segui-los. Talvez esse homem que chamam de “filósofo” possa me acolher pelo menos durante essa noite.

Os homens bateram à porta e entraram. Aproximei quase junto a eles e pude vê-los entrando e também o interior da casa. Lá dentro havia um homem aparentando idade, pois sua barba já branca ultrapassava o pescoço. Aquecia-se diante de uma fogueira, contemplava as chamas do fogo como alguém que estivesse diante de algo muito sagrado.

“Entrem, pois aqui também estão presentes os deuses”, disse o velho filósofo. Os dois homens pareceram ter se decepcionado e disseram: “perdemos nossa viagem, viemos de uma época tão longínqua em busca de um grande pensador e aqui encontramos apenas um velho falando de deuses, mal sabe ele que todos os deuses já foram expulsos do Olimpo e que lá agora reinam os homens”. Viraram as costas e saíram.

“E pensar que esses são os nossos herdeiros” disse o velho, “nada compreendem”.

Nesse momento entrei silenciosamente e lhe pedi abrigo, o velho então permitiu que eu entrasse. Ele, após minha entrada, permaneceu em silêncio observando o fogo. Esse silêncio me incomodava, resolvi então puxar conversa com ele. Se o chamam de “filosofo” é porque deve ser muito sábio, ou, talvez, louco? Fala que há deuses aqui, eu não vejo nenhum, sei lá, perguntar, dependendo a forma com que se pergunta, não ofende.

“Você disse àqueles homens que aqui também se fazem presentes os deuses. Como? Eu não os vejo!”

Ele levantou-se e se dirigiu a uma janela no fundo da sala, ficou observando por alguns minutos, parecia paralisado. Com sua mão direita abriu a janela, um vento terrivelmente frio e carregado de gotas d’água invadiu a sala, ele me pediu para olhar para fora e me perguntou: “O que você vê?”

Respondi que não havia nada mais que uma floresta em meio a uma tempestade.

“Não há floresta e nem tempestade, mas sim um rio que passa levando consigo as águas mortas e renovando esta correnteza com outras águas. Cada folha de cada árvore está em combate com cada fragmento de vendaval, com cada fragmento de gota d’água e nesse combate nasce o vencedor e o derrotado. Ou a folha cai, ou esta permanece firme em sua força, sendo soberana a cada fragmento de gota d’água e a cada fragmento de vendaval. Assim o todo é guerra, assim o todo é rio fluindo, água arrastando pedra, pedras se juntando umas sobre as outras tentando, inutilmente, fazer represa. No todo tudo está lançado no jogo das possibilidades. Imagine agora isso acontecendo em todos os lugares, do minúsculo ao mais expandido espaço, simultaneamente. A isso chamo Devir, porém, esta é apenas uma visão, a compreensão necessita de muito mais horizonte.”

Dita estas palavras, fechou a janela e sentou-se no chão, próximo a ele havia um saco, e de lá começou a retirar pedras.

“Que são essas pedras?” perguntei.

“São fragmentos de minha ‘pedra filosofal’”.

Em cada pedra havia palavras inscritas. Ele tirou uma e disse que era um presente, eu então aceitei, e nesse fragmento de “pedra filosofal” estava inscrito: “O raio governa todas as coisas. Sobrevindo o fogo, julgará e condenará todas as coisas.”

Segurei a pedra em minhas mãos e li esta frase. Ergui meus olhos e a cabana havia desaparecido, não havia mais “filósofo”, nem tempestade e nem janela, tudo agora era um imenso deserto, olhei pra o céu e vi um meteoro tracejando seu rastro de fogo, perto, muito perto, chocou-se então, não muito distante, com a terra, corri então para ver aonde havia caído. Chegando ao local, do lado da cratera, havia um imenso espelho, me aproximei. Algo semelhante e ao mesmo tempo diferente do meu reflexo aparecia.

Mas, há algo de errado, a imagem no espelho não corresponde a mim, mas sim a um homem, que também segura um pedaço de pedra na mão, porém tal homem possui negras e compridas “asas de metal”. A curiosidade nesse momento tomou em emoção meu coração, todos os movimentos eram repetidos pelo outro do espelho. Mas ele também possui um pedaço de pedra na mão, que diabos está escrito lá? Ou talvez a pedra esteja lisa?

Se os movimentos se repetem, se eu erguer a pedra assim também a imagem também o fará. Bom, assim espero. Ergui então minha pedra e, da mesma maneira, o outro também o fez, em sua pedra também havia uma frase, e...

“lá estava escrito....”

“lá estava escrito...”

“Repleto de si mesmo” (http://acancaodeumaalma.blogspot.com/2010/07/fragmento-de-meteoro.html )


“O raio governa todas as coisas”

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

- Do último momento -


Vivo nestes momentos precedentes ao fechar de olhos sempre me lamentando.


Rastejo, minha face cai sobre a mesa, minha alma não cabe nessa extensão de corpo.

Agora que me vejo e me contemplo, mesmo que morrendo, sei que devo me deitar, pois o amanhã necessita que eu esteja repleto de forças.

Remédios, para que? Tento retardar a natureza, mas meus cabelos um dia irão cair.

Renuncio – me, e agora tenho a mim mesmo, mas o tempo é curto.

Sou imenso demais para um tempo curto.

Lamento ó mim mesmo, por mim, por renunciar-me.

Escrevo estas palavras....

Querendo chorar....

Mas disso o sono me priva.....



Sei que amanhã é outro dia e isso me consola, mas, não quero ter tal sensação quando o último dos dias chegar.

sábado, 2 de outubro de 2010

- Quezacolt e a constituição do guerreiro: das possibilidades. -



Caminhava eu pisando sobre a terra, pois há muito deixara de seguir pelos caminhos alagados do mar obscuro. A cada passo realizado compreendia um pouco mais sobre a vida como “instante de raio”. Confesso que, após ter assumido meus medos e minha covardia, tenho me sentido mais forte, quase consigo olhar nos olhos das pessoas que julgava serem mais fortes que eu. Percebi que, para ser ouvido, não necessito exaltar e entoar gravemente meu tom de voz, mas, falar calmamente sabendo o que se fala e respeitando meu próprio ritmo de fala, dessa forma, a presença diante dos outros se configura.




O horizonte que vejo é unidimensional, configura – se numa linha reta, minha visão é limitada e ofuscada. Mas, estou aprendendo a me manter de pé sobre o solo, os caminhos de correntezas por mim já passaram há muito tempo. A vida é um “instante de raio”, compreendendo um pouco isso utilizo minhas pernas e meus braços, rasgo o horizonte que se abre diante de meus olhos, os sons de trovão vital lançaram-se no aberto do horizonte. Pude ver então dois eventos, dois fantásticos eventos, e eu era o protagonista de ambos.


Trata-se de acontecimentos distintos que não se tocam, mas a origem deles é a mesma, encontram-se somente na origem e prolongam-se infinitamente para diversas direções. Sou ambas e sou origem.


Daqui de onde estou, posso dar um passo para cima, ou então.... para baixo..... Mas, um passo à frente não mais volta a ser passo anterior, pois assim se configura a escolha. Fecho os olhos, tenho medo, tudo isso me assusta, a novidade sempre traz consigo o pavor do desconhecido. Atiro meu corpo e o deixo cair lentamente num dos eventos, não mais vejo de fora, mas sim coexisto nele agora. Existo e existo nesse evento, por um momento é bom, prazeroso, mas depois minhas mãos começaram a sangrar, meus pés também. Sinto medo! Se estivesse escolhido a outra possibilidade não estaria sangrando agora, mas sim desfrutando de prazeres eternos.


O momento ao qual fazia parte perdia sua luz. Fez-se noite. Noite no dia? Não faz diferença para quem não deseja a visão e a escolha. Olhei para o céu, procurava luz. Onde há luz? Onde há sol agora nesse momento? A serpente alada mais uma vez sobrevoou a nuvem negra de meus pensamentos, fez do céu escuro sua morada obscura. Desceu, abriu a boca e de lá saiam feixes de luz.


“Quando se inicia a compreensão da vida como instante de raio cada passo é o primeiro e decisivo. Em cada decisão se ganha e se perde, cada possibilidade assumida significa o assassinato de todas as outras que da origem partiram para rumos distintos. Viver tentando ver o evento que poderia ter sido e lamentar-se pela perda é apagar o fogo que o raio deixa quando toca a terra. O que morreu está morto e, daquilo pelo qual se decidiu, deve - se abarcar cada milímetro de acontecimento. Vivemos contabilizando o que perdemos pelas possibilidades mortas e esquecemos o que ganhamos com o que assumimos, e ganhar pode ser prazer e desprazer, mas tudo é constitutivo, por isso deve ser aproveitado, só assim a origem é re-feita, somente assim vislumbra-se outros eventos e se escolhe por eles. Somente dessa maneira, a vida torna-se um jogo onde sempre se ganha, pois até mesmo a derrota nos honra como vitoriosos. Somente assim se torna “repleto de si mesmo”.”


Quezacolt mais uma vez partiu deixando-me um saber.


“Glorifiquemos então nossas derrotas e nossas desgraças, pois tudo nos é constitutivo.”

- O Pescador e sua rede furada -


Peguei uma folha em branco, amacei e joguei no lixo


O dia se foi, nada nele escrevi

Arranquei essa página do livro da minha vida e a lancei fora.



Tento espremer o ultimo bagaço do dia que se foi para ver se cai uma gota de vida e assim matar minha cede.



O arco girou e nada laçou

A rede foi atirada sobre um cardume

Mas o pescador ficará com fome hoje, pois sua rede furada nada alcançou.

Cansaço, mormaço do mar, a jangada balançou e balançou,

O mar é o mesmo, o pescador permaneceu o mesmo.

Tristeza, e em sua rede, nenhum peixe para se consolar.