domingo, 3 de fevereiro de 2019

- Sobre rabiscos e realidades -



Empírico subiu aos céus com todo seu ódio e sua revolta, afinal de contas seus ideiais e descobertas sempre estiveram acorrentados por correntes ocas. Mas, assim como o pequeno elefante, que desde a infância aprendeu que a corda amarrada ao pequeno galho de uma pitangueira o impediria de andar independente do momento, assim Empírico se revolta pois foi feito de tolo, acreditou em miragens mantendo seu intelecto em masmorras sombrias guardado por ela... sua alma... seu órgão de culpa sempre o ameaçando com o fogo de inferno.
Mas agora é diferente, Empírico subiu aos céus com todo seu ódio e sua revolta, seu punhal. Observou enfurecido e lá, em seu trono ancestral, estava ele, o velho Deus, sentado cabisbaixo, olhar vazio. Empírico blasfemou incontáveis vezes, esperava ser varrido dos céus com a onipotência divina, mas nada aconteceu. O velho Deus permaneceu imóvel como um estátua. Empírico então o apunhalou, não pelas costas como fazem os covardes filhos de Deus, mas cara a cara, no coração. O punhal, perfurando o peito divino, rasgou-o como folha de papel e não encontrou um interior. "Será que Deus não possui coração?", perguntou-se Empírico. Mas, para sua surpresa, a imagem de Deus se partiu ao meio e dentro não havia substância alguma. Tudo oco. Tudo era apenas tinta, papel, traços e palavras... e nada mais.
Descobriu que Deus era apenas uma ilusão com a qual se enganou e nutriu ódio por toda a sua existência. Riu de sua própria tolice e, já que estava no céu, decidiu que, desde aquele momento, que "matou" o que nunca existiu, reinaria sobre o mundo.
Anos se passaram, mas não muitos, e o mundo desandou e sangrou... igualmente no reinado de seu Pai todo poderoso. Empírico, não mais nutrido de ódio mas de remorso por ter levado a humanidade ao colapso, pegou seu punhal sagrado e cravou em seu peito... transpassou como folha de papel... "Terei eu me tornado Deus?", perguntou a si mesmo Empírico não compreendendo nada. E assim, partiu-se ao meio, folhas de papel de um lado, rabiscos e tintas coloridas de outro.  Nenhum coração.