sábado, 28 de agosto de 2010

- Diante do olhar da serpente -


Tenho andado por entre caminhos alagados. Água cobre o pescoço, lama e lodo prendem-me os pés.
Logo mais à frente há um rochedo aonde pretendo me salvar. À vida pertencem muitas escaladas, muitos deslizes e também pedradas. A pedra, diante da água que inunda o corpo e o prende no lodo e lama, é sempre salvação. Salvo – me se subir? Talvez, mas, diante desses caminhos alagados esse é o único abrigo. Abrigar-me-ei aqui, e assim como essa pedra serei eterno, observarei cada corrente de mar escuro que passa por esses caminhos alagados.
Nunca havia me dado conta, mas, sou um grande escalador de pedras, sei que nem toda pedra é montanha, mas a cada um o seu feito segundo sua capacidade. Subi, ó terrível percurso rumo ao “um pouco mais próximo do céu”. Águas escuras, mares sombrios, caminhos que nos arrastam para a boca da morte.
De repente, meu corpo arrepiou-se e minha espinha foi tomada por um frio gelado de medo, uma gota de suor, suor frio, nó na garganta, por aqui nem uma palavra passa. Uma serpente, imensa como o transcorrer da eternidade, ergue-se diante de minha vista. Faminta observa-me, sou rato diante do predador, corpo paralisado. Seus olhos nefastos me devoram a coragem, tão pouco e tão escassa.
“Não há vitória quando se derrota aquele que desistiu antes mesmo da luta se iniciar. Não há vitória e nem sabor quando se derrota aquele que é incapaz de defender a própria vida. É desonra tirar a vida daqueles que caminham sem saber que estão vivos”. A serpente me ensinou essas coisas e partiu, mas é duro e vergonhoso aprender tais coisas a partir da misericórdia alheia. Talvez agora esteja mais próximo da dignidade de ser derrotado ou devorado, talvez agora esteja mais próximo de meu espírito a muito fragmentado.
No céu há um espaço para o surgimento da aurora boreal, raios de sol tocam meu rosto e trazem à minha vista uma imagem: vejo, no mais distante dos céus, mas não tão distante da terra, um homem voar com asas de metal. Dizem que nem mesmo os anjos e os demônios se atrevem a voar perto dele, pois o bater de suas asas cria furacões e vendavais. Um dia ei de voar dessa maneira, que assim seja!!!
Agora, de que me adianta eternidade no alto dessa pedra, aqui tudo permanece, nada passa, a vida não passa e não retorna. Eis aqui a terra das permanências. Lanço-me então por esses caminhos de correntezas de mar escuro, caminhos que me levam e arrastam para a boca da morte, mas, durante esse caminho, a vida se dá.

domingo, 22 de agosto de 2010

- O que constitui um guerreiro -


A guerra acontece num súbito momento de dispersão de pensamentos e sentimentos. Eu ainda aprendia os sentidos e valores que impulsionavam o combate, sabia que existia força em mim, mas, ainda não havia aprendido a confiar e tornar corpo tal força.
A guerra acontece num súbito piscar de olhos e, tal ato, divide o momento de vida e morte de um guerreiro e talvez tal ato se perpetue e se estenda para toda a eternidade. Qual é o pior, piscar e fechar os olhos eternamente ao que acontece ou eternamente deixar de ver o que acontece literalmente?
Penso essas coisas porque vi morrer o maior dos homens, digno de se chamar mestre de algumas pequenas coisas, pequenas cosias que, empunhadas por sua determinação tornavam-se grandiosas.
A guerra acontece num súbito momento e eu sabia estar preparado, mas não confiei em minha força. O combate é duro e cruel, injusto e covarde. Enquanto todos combatiam abrindo o espírito para a possibilidade da morte eu, apenas ao instinto de sobrevivência me abria, fraco me enxergava, espadas e foices procuravam minha cabeça e coração, corpo ágil, pensava com o corpo sem saber que o fazia.
O mestre estava lá, líder de si mesmo, o que o tornava líder de uma multidão, coragem contagiante e cativante. Mas até os grandes homens caem diante da covardia, feriram-no com uma lança na perna, e um círculo, de quatro a cinco, pois a necessidade para se derrubar tal guerreiro assim exigiu, o aniquilou.
Mas, antes de morrer, seus olhos encontraram os meus, e pude neles ler a palavra “covarde”. Um piscar de olhos separa o último sopro de vida de sua extinção total, um piscar de olhos decide um momento e marca o coração de um homem.
Agora sou um guerreiro pouco melhor e penso em meus sombrios pensamentos, algumas pessoas nascem nobres, possuem grandezas, mas, aquele que se torna nobre e conquista cada fragmento de virtude transcende todas as medidas de valor.
A guerra acontece num súbito momento e a cada acontecer de guerra procuro encontrar meu espírito a muito perdido, rechaçado e fragmentado. Não tenho mais o que foi e nem o que vem, mas tento tocar e tatear os raios de sol e pingos de chuva que se chocam com meu corpo a todo o momento de guerra.

domingo, 15 de agosto de 2010

- Pensar com o corpo -


Asas de metal
Já voei abarcado na razão do pensamento e no fluxo de idéias, porém me tornei frio como o mármore e não conseguia perceber o que vinha de fora.
Voei então seguindo a emoção, o sentimento, o impulso vital, mas me descobri uma fera selvagem machucando algumas pessoas com minhas presas.
Agora procuro nova maneira de voar.
Pensamento?
Sentimento?
Nem um e nem o outro, mas uma dose bem medida de cada um, misturado com um pouco de “eu mesmo”, a isso chamo: pensar com o corpo.

domingo, 8 de agosto de 2010

- Aquele que caiu -


A cruz desembainhada corta as asas daqueles que querem voar. O sangue misturado às nuvens faz chover, água envenenada de sonhos assassinados, brota então ervas com espinhos em que os pés do caminhante são perfurados. “Não quero ser o super homem” diz ele, “apenas eu mesmo”.
Crueldade disfarçada em santidade
Controle disfarçado de palavras celestes
O sangue que se toma no cálice foi derramado por um inocente.
O herói luta e sacrifica seu nome imortal para que o mortal veja a luz.
Pensei em várias coisas para escrever em meus cadernos....
Porém, esqueci de todas elas.
A riqueza humana, a batalha pelo respirar. Quão difícil é respirar! Ninguém lembra de perceber.
Aqui dessa montanha o céu se faz escuro e posso tocar a terra, beber a água, fluxo vital de toda humanidade, nascido da terra.
Posso soprar uma pluma das asas dilaceradas daquele que vi cair do céu, ela é levada pelo vento aos quatro cantos da terra.
“Não quero ser o super-homem, apenas eu mesmo.”
“Você viu ele cair, você que tem os pés feridos, e fechou os olhos.”
“Fere então a humanidade.”
Em meio à dor do caminho repleto de espinhos vejo a realidade daquele que caiu.
Coragem!

- Medo da chuva -


Acordou cedo, teve um pesadelo, mas não queria mais abrir os olhos. Tal sonho havia lhe ferido o coração e de tal ferida, lágrimas preencheram seus olhos. E presidia a vontade de não os abrir, havia decidido que a tristeza era somente sua e que nada no mundo era digno de compartilhar um milímetro de lágrimas sua.
Navegava em seu mar, feito com muros aos quais represou suas lágrimas, coração naufragado, mente úmida e ébria de melancolia. Passeava com os olhos por jardins de flores preto e brancas, havia alguns exemplares que ainda não murcharam, mas a cor, o vermelho de algumas rosas, desbotava e escorria folhas e caule abaixo.
Acordou cedo, não compreendia porque, mas...., o mundo inteiro se limitou ao seu travesseiro e dele fez uma prisão. As coisas acontecem, os sonhos e pesadelos vêm e vão, a dor ficou e limitou. Tudo o que vejo ver ao imaginar é chuva vista sentado numa escada. Quando se vê chuva de dentro da casa, pela janela, é tristeza, desprazer proveniente dos respingos frios que tocam nossa pele.
Lancei-me chuva afora, deixei-a cair e lavar minha alma, chuva vista do quintal traz divertimento, estou encharcado, mas as gotas, maiores que os respingos, são quentes e me fazem sorrir. Chuva vista por dentro, relâmpagos e trovoadas conversam comigo, não mais olho pela janela e me escondo do frio. Observo a chuva de baixo pra cima, lavo meus olhos. Ó momento, por que me abandonastes?

- Disparar e ser flecha -


O que é voar com asas de metal?
Voar com asas de metal é disparar uma flecha e ao mesmo tempo ser tal flecha.
É percorrer o espaço bifurcando o ar, criar dualidade no todo, separar.
A ponta da flecha corta o frio ao assumir-se como fonte de calor, disparo de raio, ponta de trovão, disparo e me torno a ponta da flecha. Ponta, ponto de instante.

A escuridão é viva na noite.
Sombras, movem-se de uma lado para o outro sem sair do lugar.
Sinto respiração e vida no frio que se aproxima.
Estou tão alto, posso ver o céu, contar estrelas, e nessa sombriedade ouvir vida falar.

Transpasso o sono, transpasso e inverto, pulo e dô um salto.
Olhando com olhos adormecidos e alma desperta, vi uma moça, de vestido preto, cabelos escuros e rosto tomado por sombra, trançar os cabelos de uma outra moça de cabelos brancos, vestido branco e pele clara. Uma atrás da outra, ambas de joelhos em um quarto de dormir.

domingo, 1 de agosto de 2010

- EU! ‘ : . . ‘””:”’:..:;o Sombra!!! soMbra ! @ 2 sombRA ! ! s o m Bra ! ! ! ! ! -


Você me viu passar e percebeu o que ficou. Nos dias de mesma natureza o ontem é a sombra de hoje, dia, igual e diferente. Hoje e ontem, dias similares e diversos. O que ficou na retina dos que me viram passar é o ontem, hoje, passo e o mesmo passo de hoje é diverso do de ontem.
Mas o que permanece na retina é o passo de ontem, passo que obscurece a retina. Passo rápido, um segundo é sombra do instante do momento imediato, um piscar de olhos é sobra do piscar de agora. O golpe de ontem que procurava a morte hoje procura vida. O precipício que em sombra era aniquilação, neste momento imediato é saber.
Estou passando, passos possuem a mesma natureza de passagem, mas o do momento imediato é distindo de sua sobra, sombra que possue sombra e de minhas sombras nas retinas fazem-se “eus”. Interpretacões.... apego por sombras......
O que penso ser você não mais é você, pode ter sido, mas agora é sombra de você, é somente suas poeiras deixadas pelas suas passadas, assim também é com relação a mim e a todas as pessoas. Dógmas são feitos de sombras, o que passa é a verdade que se desconfigura e é devorada pelo tempo. Curo a mim mesmo as dores arrancadas pelo tempo, devoradas e levadas nas sombras, impressões, gestos. Mas me curo, curo a mim mesmo me refazendo. O tempo devora, mas luto com ele, da morte que me causa faço vida e da vida aceito a morte.
Quando cruzar a misteriosa fronteira, olhos terrenos não mais poderam ver-me a mim mesmo, mas somente as sombras deixadas, porém é necessário lembrar: eu, de minhas sombras, me distinguo, assim como o hoje e o ontem, sendo dias, se distinguem.