quinta-feira, 29 de julho de 2010

- Noite! -


É na noite que posso renascer
Quando escurece coméço a viver.
Enquanto o mundo inteiro sorri, lamento pela minha vida que sinto escorrer pelas areias do tempo. Areias levadas e espalhadas ventania a fóra. Migalhas de areias que formam um deserto imenso em que me perco inundado em lágrimas.
O menino havia derrotado o homem e o leão, e durante muito tempo reinou sozinho no deserto. O vento passava, sempre seco, sempre quente. Núvem e inferno não fazem diferença. Algo devora o coração gelado, o leão devora o corpo por dentro. De cada gota de sangue brota um milímetro de tamanho.
“Desvenda-me se for capaz”, assim diz o leão aos quatro cantos do deserto. Amantes de enigmas e aventuras foram ver tal leão. “Criatura selvagem, não há segredos na selvageria.” Assim aproximavam-se ébrios de dógmas e com sua miopia olhavam para o leão. Era dia e havia sol, nesse momento qualquer um enxerga o que deseja ver, mas na escuridão das trevas, os que não abrem os olhos se perdem.
É na noite que posso renascer e ser
No dia sou, e vocês também são, representações.

- Aquilo que se chama “devir” -


Certo dia observava um rio passar e discorrer, sempre o mesmo, mas nunca sempre ele mesmo. Um homem, corajoso e heróico, buscando glória entre os mortais, atreveu-se entrar nesse rio. Primeiro molhou os pés, o frescor da água era bom, e isso o agradou. Decidiu ir mais afundo, caminhou com passos cautelosos até tornar sua cintura coberta pela água. A experiência do rio passando o agradava, era feliz, o rio era a divindade para esse homem. Mas, num momento, percebeu – se velho, e a correnteza o arrastou um pouco para trás, sentiu desespero, pois o desconhecido fluxo poderia levá-lo a perder a vida.
Mesmo diante do desespero ainda se sentia livre, escutava o palpitar de seu coração nas águas do rio, batidas fortes e vitais, tornou-se criança, mal consegui manter a cabeça fora da água. Às vezes era coberto pelo fluxo, mas, mesmo diante da morte por afogamento, sabia que não iria morrer. Adrenalina, liberdade, tudo ainda existia. Jovem e adulto se fez novamente. Risos e gargalhadas, mas somente por um momento, a velhice e a infância logo logo retornariam, e com elas o risco de ser levado correnteza abaixo ou de se afogar.
O homem estava decidido, gostava do rio, mas estava ciente de seus perigos misteriosos. Porém o maior dos perigos, mal sabia ele, estava escondido em si mesmo: pensamento. Pensamento? Sim!!! O pensamento que conduz ao conceito e não mais se permite ao perigo das correntezas selvagens.
Pensou por muitas horas e, enquanto pensava, viu o sol se pôr e renascer posteriormente. Durante esses momentos esqueceu seus pensamentos. Mas o desfecho não tarda por vir. Gostava das águas dos rios, mas desejava segurança. O rio solto e selvagem é perigoso. Construiu então, em meio ao rio, um poço. Ali a água sempre permanecia, sem perigos, a morte passava por cima e nada via, não mais envelheceu e nem se tornou criança. Ali foi feliz. Pelo menos alcançou aquilo que compreendia por “felicidade”. Mas, certo momento, chamemos assim, pois não podemos mais dizer se é dia, noite ou tarde, sentiu saudade de ver o sol se pôr e renascer, este, sem dúvida, foi um dos momentos mais marcantes enquanto brigava com o rio em sua correnteza.
Eu, “hum” “hum”, o homem, quero dizer, sentiu-se triste, chorava de saudades daquele fenômeno. O sol é livre para morrer e nascer quantas vezes quiser, o homem, da mesma forma, envelhece e vira criança, mas isso depende do rio e não da sua vontade. O sol nasce o morre, renasce, porém permanece repleto de luz sempre, assim é para os outros, nascimento e morte dependendo de quem o vê, e isso é belo, repleto de luz sempre para si mesmo, e isso também é belo.
Dentro de seu poço escutei gargalhadas, pessoas entravam do rio, cada vez mais, riam e choravam, mas reinava “felicidade”. Senti pânico e pavor, nada passava, repouso eterno, tédio, vida morta. Com minhas mãos toquei o barro do fundo do poço, era argila, se modelasse poderia ficar consistente. Comecei então a erguer uma pequena montanha no fundo do poço, com muito sacrifício o homem alcançou novamente o rio. Desde então aceitou ser velho, criança e jovem infinitas e limitadas vezes. Permitiu também os outros, que também estavam no rio, o vissem como quisessem e se alegrassem ou não com isso. Era agora o sol para si mesmo, podia ser o sol para iluminar outros sóis, ou luas, ou outras estrelas. Permitiu também ser tocado por outras luzes de outros astros, era um com o rio e o rio um com todos.
Flores nasciam e morriam, mas a beleza dos jardins sempre permanecia. Assim é.

terça-feira, 13 de julho de 2010

- Tábua dos bem – aventurados IV -


Compreendemos nossa vida pelo que deixamos de viver e não pelo que vivemos.
Viver não se limita em sobreviver.
Buscar a sobrevivência pode ser fardo pesado ou vida vivida.
O que nos alimenta?
O que nos faz sobreviver?
O que nos mantém de pé?
Sua alma sabe ao quê essas perguntas se direcionam.
Qual o seu alimento?
Quais os perigos necessários para alimentar a alma?
Você amaldiçoa ou bem-diz os perigos?
Sobreviver pode ser fardo pesado ou vida vivida.
Assim se faz e se constitui.........
...........bem a v e n t u r a d o . . . ....

“Superfície azul do céu,

asas em curva de dores,

Fernão Capelo levanta e voa,

porque voar é importante,

mais que comer e viver.”

Fernão Capelo Gaivota (Richard bach)

- Fragmento de meteoro -


À noite, o Homem de Asas de Metal ausentou-se do quarto em que permanecia deitado e pôs - se a caminhar em meio à escuridão da noite. Escuridão no sentido de nada conseguir enxergar, pois a sua noite era iluminada pelas luzes das estrelas. Caminhava procurando o que nunca muda de lugar sendo ele o referencial. Parou por um instante, direcionou seus olhos para o alto dos céus. Alto? Acima de sua cabeça permanece o infinito. Como saber onde é o alto e o baixo no infinito do vazio?
Seus olhos, que nada viam na escuridão iluminada pelas estrelas, buscavam contemplar o nada e o vazio. “O que é a saliência que separa uma estrela da outra?” Pensou assim com mente obscura, pois a mente clara já conhecemos e dela alguma coisa sabemos. “Sabemos alguma coisa!”. “Do nada, nada sabemos.” “Com mente obscura aproximamo-nos da inefabilidade do nada.”
Parado, assim estou, observo a escuridão entre uma estrela e outra. Uma saliência. Uma abertura. Saída ou entrada? Os dois, depende da sua direção. Um meteoro de fogo rasga a saliência que sempre se mantivera em aberto. Está chegando ou partindo? Nem um, nem outro. Sempre esteve e sempre vagou. Eu é que nunca havia percebido. Agora que vi quero ver mais.
O Homem de Asas de Metal voou em direção ao meteoro que, num instante, chocou-se com a superfície terrestre. A força do impacto o lançou a milhares de passos de distância. Não se lembrava da direção que havia caído e nem de onde partiu. Do nada? Provavelmente. O extra-ordinário surge, algo que surge é novo, o novo é diferente do todo, o todo não é o nada.
Não se sabe onde caiu, nem muito menos a trajetória. Mas o momento que experimentou marcou uma frase em seus pensamentos: “Repleto de si mesmo”. Não entendera tal frase, pois esta é somente um fragmento que se partiu do meteoro e caiu em seus pensamentos. Enigma? Talvez. Porém resta descobrir o caminho que leva a tal pedra. E, ao descobrir, sobreviver à decida da cratera.

- A morte do maior dos males -


Ela se aproxima exigindo silêncio e causando dor. Quando chegar e remover o capuz, o que você verá? Rosto de mulher ou rosto de caveira? A cada dia sacrifico a vida em prol da não vida fazendo o que me mantêm alheio a mim mesmo.
Ela vem, e quando a aceita e a deixa causar dor, transcende-se a si mesmo em si mesmo. Quanto mais se morre, mais a vida é exaltada. Morte, ponto na imensidão, mas a partir dessa marcação no microcosmo, toda estrutura é reestruturada e configurada, uma explosão que acarreta outras explosões, muitos pontos na imensidão. Lançar – se aos braços e deitar em seu seio e não adormecer, mas ao contrário, tornar-se mais desperto.
Você chora pelos homens que decidem morrer? Eu, ao contrário, alegro-me naqueles que matam a si mesmos vindo a ser o que se é.
Mas o homem deve morrer, deve morrer o homem de falsa humanidade, o homem que possui olhos somente para o horizonte alem corporal. O que está para o alem espera-se que dele venha algo. Entre o homem e o algo que vem há uma corda. Corda resistente presa no pescoço do homem, cujo cumprimento direciona-se para o alem do horizonte. A essa corda deram o nome de “esperança”, corda presa ao pescoço sufocando, mas não matando. A algo alem do pescoço está presa a outra ponta, o algo que vem e virá, basta ao homem esperar. Esperança, o maior dos males, esta deve ser decepada de uma só vez. Mas a esperança é a ultima que morre, portanto, um dia irá morrer, espera-se dessa forma que a esperança morra. Engano! Assim esperança se fortalece e escapa à morte.
Deve – se matá-la a todo instante! Mas ela é a ultima que morre e não basta esperar que ela morra.
Um homem observa o mar com sua corda amarrada ao pescoço, esta transpassa o mar, mas o que vem do outro lado desse mar é bom, portanto, fica a eternidade de sua vida finita e curta a esperar pelo outro lado da corda. A vida está na fogueira, se vida permanecer na esperança de fogo irá se consumir. Se o homem que fita o mar em posição de esperança assim permanecer, a maré ao subir o afogará.
Homem que fita o mar, se a sua esperança morrer o que irá restar? Vazio, homem vazio, pois se esperança é a ultima que morre. Ela morrendo significa que todas as coisas já morreram, e junto com cada uma, um pedaço do homem morre simultaneamente. O que te sobrará quando a esperança morrer e junto com ela decidires morrer também?
A esperança morreu, o homem esperançoso também, o que sobrou? Sobrou corpo no corpo vazio, corpo vazio querendo ganhar corpo. Não se espera, pois tal coisa já não existe mais, só há corpo querendo fazer-se a si mesmo, preencher-se de descobertas. A cada tarefa um descobrir-se e preencher-se sem haver espera, assim o é, assim ela vem, exigindo silêncio e causando dor. Ver morrer cada parte de si e assim afirmar-se é dolorido. A morte nos abraça e devemos retribuir.
Rosto de mulher ou rosto de caveira?

segunda-feira, 12 de julho de 2010

- Epimeteu – Um conto Filosófico -


Houve um tempo em que todos os homens eram felizes. Celebravam cada instante, pois cada instante era eterno potencial de vida afirmada. Vida plena e próspera em troca do sofrimento eterno de um Titã. Todos os dias, preso a um rochedo, um abutre voa e devora suas entranhas. Todos os dias da eternidade abraça a dor pelo homem, entrega-se ao martírio e ao esquecimento. Prometeu assim sorri em meio à sua eterna dor. Os homens são felizes e sobrevivem. Roubar o fogo dos deuses necessitou de grande audácia e coragem. Assim sofre sem lamentar seu feito, feito nobre para o mais nobre de todos os mortais e imortais.


Epimeteu, porém, caminha triste por entre todos os homens, lamenta por seu irmão, mas ao mesmo tempo sente orgulho dele. Dirige-se ao mais longínquo horizonte de solidão à sombra de uma árvore. “Os homens não conhecem tal coisa e é melhor que não conheçam tais coisas”, assim pensa ao falar com seu coração que é pura dor. Lançando a dor, ao mais frio ar de inverno, percebe que seus olhos encheram – se do que pode haver de mais belo em todo o mundo. Uma mulher, belíssima, flutuando no ar com passos de dança rouba a dor do entristecido Titã. Não mais está consigo mesmo, mas agora é totalmente para aquele ser de plena beleza. Não mais pensa sobre seus pensamentos, não mais escuta a dor do coração.


Braços e abraços, juras eternas, passeios celestes no frio infernal. À noite Epimeteu observa as estrelas nos olhos dessa mulher, divina, chamada de “aquela que possui todos os dons” (Pandora). Versos assoprados ao ar voam como borboletas dançantes aos ouvidos de Pandora. Epimeteu tornou-se como sempre quis ser: feliz como todos os homens. À noite o fogo esquenta e aquece do frio e da ausência, pela manhã ilumina os pensamentos.
Certo dia Epimeteu havia saído de casa sozinho e assim permitiu que seus pensamentos e emoções voassem livres pelo ar. Enquanto isso, Pandora, em sua casa, banhava-se em aromas para tornar-se mais bela que o possível.


“Pandora.....” “Pandora.......... deixe-nos sair.........”


Palavras fantasmagóricas ecoavam em todos os aposentas em que habitava, sentiu medo, mas, ao mesmo tempo curiosidade. Levantou-se de sua banheira e cobriu-se com uma toalha para esconder sua nudez. Perseguia com passos sigilosos e silenciosos a voz que a clamava suavemente.


“Pandora................... Pandora................. aqui!!!!!!”


Percebeu então que as vozes vinham de uma belíssima caixa. Não lembrara de possuir tal caixa e nem tê-la visto antes com Epimeteu. Pensou, pensou muito esforçando-se para lembrar a origem daquela caixa. Ao buscar em sua memória sobre tal origem foi assaltada de forte tontura e uma não muito remota lembrança. Lembrara que havia ganhado tal caixa de um senhor que trajava roupas de tecido nobre. Este senhor a havia dito para abrir a caixa somente quanto estivesse muito feliz, e que pudesse ver tal sensação no rosto daquele que jurou eternamente ser dela.


Pandora então, tomada de curiosidade e persuadida pelas vozes que a chamavam, lentamente pôs-se a erguer a tampa da caixa. Nesse momento o céu e assim também todos os cômodos de sua casa tornaram – se repletos de escuridão. Um raio de luz saído da caixa iluminou seu rosto e, ao olhar dentro da caixa, viu um imenso universo, viu também inúmeros olhos a observando e sorrindo. Bocas repletas de dentes caninos em todas as posições da gengiva a agradeceram e saltaram de dentro da caixa que tinha como interior o universo. Criaturas horrendas, filhos do terror, da fúria. Pandora caiu no chão assustada e perguntou quem eles eram. Uma criatura despontou para frente das demais e respondeu a ela: “nós nos chamamos “males”, os deuses nos aprisionaram e nos selaram nessa caixa para que não viessem a ruir”.


Epimeteu punha-se em direção de sua casa e pôde perceber que as flores que havia colhido para Pandora haviam murchado, percebeu também, ao erguer os olhos e direcioná-los para o seu lar, uma imensidão de trevas que cobriam o local onde morava. Preocupou-se com Pandora e correu o mais rápido que pôde para salvá – la mesmo sem saber do quê. Ao abrir a porta, deparou-se com aquela terrível situação: criaturas demoníacas emergindo do interior de uma caixa. “Que coisa estranha?” pensou, e mesmo sem entender atirou-se sobre a caixa e a fechou.


Pandora estava estendida sobre o chão com o coração, a mente e o corpo repletos de feridas. Epimeteu odiou a si mesmo, sentiu raiva por tê-la deixado sozinha, sentiu enorme desejo de pôr fim em si mesmo, pois sentia-se fracassado e fraco. Os olhos de Pandora, que antes lhe mostravam estrelas durante a noite, agora apenas lágrimas. Ao olhar da janela de sua casa, viu que todos os homens não mais permaneciam felizes como outrora, mas sim que uma imensa “desgraça” havia afogado a todos em melancólicas águas de um mar negro.


Epimeteu sentia o coração doer, seus pensamentos eram como adagas que feriam e provocavam sangramentos em sua alma e, sempre que direcionava seu olhar para Pandora e a via sofrendo em dores e tristezas, preenchia seu espírito de rancor contra si mesmo. Mas, quando tudo parecia culminar num terrível desfecho, ouve-se uma suave voz de dentro da então fechada caixa. “Deixe-me sair, posso ajudar a vocês e a todos os humanos”. As palavras eram doces e convincentes, porém, diante de tal terror, ambos temeram erguer a tampa novamente. “Posso ajudar, conheço tais criaturas e sei como suporta-las”.


Epimeteu pensou, sabia que tudo dependia de sorte, cinqüenta por cento, sim ou não. Pandora, ele mesmo e todos os homens e mulheres do seu vilarejo padeciam em dor e sofrimento. Decidiu e assumiu o risco abrindo novamente tal caixa. Surpreendeu-se, pois a criatura que saíra do interior de tal objeto assemelhava-se a uma pequena fada e esta, com seu aspecto angelical, tornou Epimeteu simpático a ela. A criaturinha voou aos quatro cantos da terra proferindo seu nome em doces palavras “Esperança”. Algumas pessoas puseram – se de pé, mas algo em seus semblantes era estranho, seus olhares eram vazios. Punham-se de pé não para caminharem, mas sim para apenas permanecer de pé. Assim suportavam a si mesmos com suas dores, com seus males adquiridos, mas, a cada amanhecer, olhavam para o sol que se erguia no horizonte desejando que, junto com ele, viesse um alguém que os livrariam da dor. Mas o salvador nunca vinha, pessoa alguma vinha, nenhuma ajuda. Mas permaneciam esperando. “Um dia ei de ser novamente feliz”, assim dizia um camponês em meio à sua plantação de ervas amargas, e assim, incansavelmente, punha-se a trabalhar crendo num amanhã perfeito, num amanhã que traria ao amanhecer e nascer do sol, uma vida distinta daquele que vivera até o momento.


Mas Epimeteu percebeu que, a cada novo amanhecer, esse esplendor de vida nunca chegava, e cada dia as pessoas tornavam-se mais amarguradas. Olhou também para Pandora, a moça que outrora radiava beleza e sensualidade capaz de elevar seu coração e sentimentos ao mais alto cume de montanha, tornava-se, a cada dia, menos bela. Seu sorriso enferrujava-se com o tempo, mas mesmo assim ela sempre observava o nascer do sol pela janela, e à tarde, ao pôr do sol, se sentia triste, pois algo que esperava não havia chegado. Epimeteu também sofria, estava triste, mas nunca aguardou o nascer do sol, nunca aguardou nada sequer, nunca pensou em coisas futuras, mas sempre observou e pensou no instante imediato de sua vida. Essa era sua natureza. Percebeu então o quanto havia sido enganado por aquela criatura alada de nome “Esperança”, as pessoas sempre direcionavam seus olhares, pensamentos e sentimentos para um amanhã distante que nunca chega. Esperar pelo melhor, esperar pelo fim da dor, suportá-la. Mas, ela nunca vai embora, portanto mais tristeza, frustração, sentimento de vida levada pelo vento para o deserto de areia.


“Sinto dor, sinto o meu sofrimento, mas não suporto, quero transcender-me”.


Epimeteu, nesse momento, abraçou sua dor, desafiou-a para um combate, lutou consigo mesmo, e como sua natureza proporcionava a ele apenas refletir o instante imediato, superou a dor e sofrimento. A Esperança era ineficaz contra ele, nunca veio a nascer em seu coração. Com isso pode sorrir novamente e, mesmo quando a dor retornava, havia aprendido a superá-la vindo a ser novamente contente com sua existência. Mas algo ainda o angustiava e o entristecia. Pandora, a mulher que amava e que havia, num dia de tristeza e solidão, trazido cor ao seu mundo, ainda permanecia, alem de triste, esperançosa.


Queria fazer algo por ela, mas não só por ela, mas também por todos os homens da face da terra. A visão de Pandora naquele estado era lastimável, então, ouvindo ao clamor do instante imediato ao qual sempre ouviu em seus pensamentos e coração, assumiu, decidiu, pois a vida é abraçar a tarefa que se faz no momento, e este era o momento de agir por Pandora. Então, transcendeu-se a si mesmo, e Pandora, ao olhar nos olhos de Epimeteu, pôde entrar em contato direto com sua alma e escutar uma canção que trazia conhecimento e clareza, os olhos de Pandora encheram-se de brilho eterno, o encanto retornou ao seu sorriso. Dirigiu – se à janela e a fechou e, na escuridão de sua casa, reencontrou algo que sempre esteve presente “sua vida”.


Epimeteu e Pandora caminharam juntos por vários caminhos pessoais e distintos no universo de sua casa. Durante o caminho algumas pessoas os condenavam, outras os bendiziam, outros aprendiam, observando seus passos, “matar a esperança”.

domingo, 4 de julho de 2010

- Tábua dos bem – aventurados III -


Nesse caminho almífero encontrei algumas coisas que guardei em meu espírito:
A guerra;
A dor;
O caos;
A desordem;
A solidão;
A desesperança, que em nenhuma hipótese é desespero;
O demoníaco;

Fragmentos em madeira velha...
Fragmentos em pedras milenares....
Alma antiga que carrega suas conquistas desvirtuadas....
Esse é o momento da virada!!!
Agora o instante de momento do espírito tomar corpo e corporificar-se.
Agora, instante e momento num só corpo, mas não simultaneamente.

Assim permanece.... bem aventurado!!!

Persigo coisas sinistras, persigo passagens estreitas, observo fragmentos ainda não reunidos, ainda estou me constituindo, mas nunca estarei pronto para o nada e nem para o tudo.... e nem para o si mesmo......

- Monstro de debaixo da cama!!!! -


Você teme que eu morra!!!
Compreendo sua preocupação e medo, pois eu mesmo temo e me preocupo.
Encontrei a criatura tão procurada em minha jornada, futuquei no mais profundo da escuridão para que ela pudesse emergir, e agora que se desvelou em partes não posso esitar e nem me acovardar. Presenciei toda a sua força e violência, que você também presenciou com tão belos olhos. Olhos belos para ver coisas belas, não o horrendo da vida.
O monstro que emergiu de minha escuridão elevou-me em fraquezas ao extremo, vergonha, humilhação. Retorno dos medos e dos pavores, brinquei com a escuridão e ela me feriu no espírito.
A escuridão olhou nos olhos de minha mente e perguntou se ela resistiria, resistiu, mas quase se despedaçou, consegui juntar as peças do quebra – cabeça e vi a mim mesmo novamente.
Não tema por mim, fui desafiado pelo que desafiei conhecer, jurei não mais me acovardar e não posso ser covarde agora. Medo.... sim..... mas, vou de peito aberto para o desconhecido da aventura. Monstro, vou te definir e ver-te murchar, e de seu sangue nascerá o que chamo “coragem”.

- Eternamente Pecador -



Eu, guerreiro viajante e devedor de minha própria consciência.
Quantos já não matei no corpo e no espírito.
Quantas almas já não despedacei com palavras ditas e não ditas, por olhares e gestos. Vi muitas pessoas caindo no abismo e não ajudei a reerguerem-se. Todas as noites sonho com lágrimas escorridas de diversos olhares de vidas doloridas e melancólicas. Vejo seus rostos em meus mais profundos pesadelos, isso me acorrenta e tortura fazendo meus olhos sangrarem durante os sonhos. Sou assombrado por tudo e a tudo que fiz a todos.
Às vezes nem entendo a mim mesmo, minha alma explode e toma o corpo em fúria. Sou pecador..... no fundo do abismo de dor que carrego no íntimo de minha alma torturo a mim mesmo. Sei, tudo bem, todo passou! Mas, e agora?
Ente melancólico e criminoso sou.... indigno de olhares e piedade.... carrego o lamento pelo passado sangrento em minhas mãos sujas. Pés rasgados e ouvidos abertos, à frente há uma montanha e no rochedo ao pé dela está presente no instante um homem que fala como um mestre, um grande mestre. Assim uns o chamam, outros comentam sobre ele, introduzindo veneno em ouvidos alheios, palavras imersas em covardia. Mas ele fala, gosto da sua fala, o seu falar tem autoridade, não precisa provar nada logicamente, meu espírito reconhece cada som de verdade que ele pronuncia.
Então, no meio da multidão que escutava seu discurso, levantou-se um menininho e pôs-se a correr em sua direção. Homens ignorantes e violentos o seguraram pelo braço impedindo-o de se aproximar do mestre. Então este levantou o olhar, olhou bem nos meus olhos. Por que ele me olharia dessa maneira? Não compreendi o porquê desse olhar. Será que ele quisera que eu interferisse por ser um guerreiro? Não, foi algo mais que isso. Ele, ao olhar em meus olhos viu minha alma e disse: “deixai vir a mim as crianças, pois delas é o reino dos céus”.
Não estava nem um pouco interessado nessa história de reino, há muito tempo não me submeto a nenhuma majestade, mas suas palavras fizeram - me sorrir, sorriso incompreendido. Por que sorrio se só causei desgraças a mim mesmo e aos outros? Não sei, não entendi tal idéia, mas meu espírito alegrou-se. Virei então em direção contrária aos seus olhos e caminhei.
À noite, sentado diante do mar obscuro, onde a única luz provém de estrelas longínquas e o único som é o romper das ondas. Nesse momento em que a única voz que se escuta é a do próprio espírito, este conversava comigo, e a sensação de peso havia ido embora. O que tais palavras seriam capazes? O que significa “deixar vir a mim as crianças, pois delas é o reino dos céus”? Esse reino de que fala parece ser um lugar muito importante, mas não me interessa o que seja. Mas, por que uma criança e não um santo? O santo não tem defeitos, é puro. A criança só traz aborrecimentos. Os santos não pecam, as crianças pecam a todo o momento e nem se dão conta de seus pecados.
Não pude entender, então silenciei meus pensamentos e pus – me a escutar a voz do meu espírito que dizia: “a criança é cheia de pecados, porém não se condena por eles, faz de cada erro aprendizado, por isso cresce”. “O que aconteceu serve para fortalecer, o que conta é do agora em diante”. “O conceito para ela nem sequer existe, o que existe para ela é si mesmo e o mundo, erros e acertos.” “O santo criou e abominou o pecado para fugir das dores da vida, esse é um grande escudo, defende-se como pode para não viver e sofrer, priva-se de aprender”.
O reino dos céus é para aqueles que são como crianças, que não se condenam por suas falhas, mas escrevem na própria alma o que aprenderam com seus erros.
Eu assim compreendi, mas os outros nem prestaram atenção, queriam apenas que ele os levasse para o reino dos céus, por isso não entenderam nada. Eu de nada quis saber desse reino, apenas parei para escutar por vontade de ouvi-lo falar. O significado de sua metáfora permanecerá por muitos séculos sem compreensão até que eu retorne e me recorde desse evento. E então comunicarei aos quatro cantos da terra.
Bendito sejam os pecadores, pois deles é o reino dos céus!