sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

- Oração ao Deus desconhecido -



Deus, meus xingamentos e insultos não são para você, mas sim para aqueles que dizem ser sua voz. Tenho andado tão longe, minhas pernas estão muito cansadas, meu corpo está muito cansado, tudo o que mais quero é voltar para casa.


As folhas caem dos galhos quando menos esperamos e, quando nos damos conta, no chão se fazem presentes. Deus, nos agarramos à vida e num instante abrimos nossas mãos e caímos. Tudo o que mais quero é voltar para casa. Tudo o que mais quero é abraçar a mim mesmo.

sábado, 1 de janeiro de 2011

- O Encontro Consigo Mesmo - Cap. IV - O grande olho metafísico e a arte nas paredes da casa de vidro -


Como se entra em si? Atirando-se por inteiro. E assim o fiz, atravessei a grande boca. Não me importava com o que me aconteceria, mas permanecer é um sacrifício ao qual não quero me oferecer, é preciso se esvair, deixar o devir te levar e ir. Mais uma vez caí do alto com o rosto impactando no chão, mas dessa vez havia uma claridade meio turva e no chão estava escrito: “fundo do abismo”. Com dificuldade me levantei, pois estava muito cansado. Ao erguer a vista vi algo não antes visto entre tudo aquilo que se pode ver: uma menina, diferente e igual a todas as meninas nunca antes vistas por um único observador, estava presa numa casa de vidro, e um fantasma que se denominava “olho metafísico”, pois assim estava escrito nas paredes de sua retina. A menina, com suas mãozinhas, fazia pequenos buracos nas paredes de vidro, e o grande fantasma cuidava para mantê-la ali, pois observa-la era seu maior passatempo. Mas a menina nunca se cansava, sempre estava disposta a sair dali. Mas num momento de magnífico toque de arte, a menina, ao compreender que, não importando o que fizesse, o “olho metafísico” continuaria a olhar para ela, resolveu decorar a casa, com tintas das mais variadas cores pintou um enorme jardim nas paredes da casa, cobriu o telhado de sonhos e esperanças, e, em meio às flores pintadas, pintou uma porta a qual somente ela sabia como abrir e fechar, portanto sabia sempre como sair sem se render ao grande olho. O fantasma não gostava disso, pois assistir à menina diante das paredes de vidro alimentava sua força, passou então a tornar-se fraco, murcho, chocho, e se entristecia sempre que via como que a casa da menina ficava cada vez mais bonita.


Diante dessa visão que tive senti uma profunda vontade de rir, não contive, minha boca abrui-se numa gargalhada muito gozada.

- O Encontro Consigo Mesmo - Cap. III - A Passagem -



O caminho ao qual sigo torna-se mais escuro a cada passo e, a cada passo, a sensação de ser observado aumenta. Como posso enxergar no escuro? Para enxergar é necessário que uma luz, ao ser refletida nos objetos, toque nossos olhos. Mas, como pode haver luz no mais profundo do abismo? O que diriam os grandes mestres, se é que houve realmente tais santos homens? Santos, o mundo só caminha e torna-se aquilo que deve ser graças aos pecadores, aos pecadores é relegado o poder de ação do devir, somente aqueles que se permitem pecar podem alcançar alguma luz. O que é o pecado senão algo que nos fortalece? O maior pecado é não permitir-se pecar! E o segundo maior pecado é não sofrer a dor que o pecado provoca!


O homem é feito de opostos, morto toca o vivo e vivo toca o morto, assim dizia um sábio (Heráclito), estou aberto para a escuridão nesse momento, e se abrir é tornar-se passagem, de um lado para o outro, minha vida está acesa nesse momento diante da escuridão. Estou aberto para as trevas nesse momento, quero que tome meu coração, pois meu corpo é passagem. Assim como as trevas entram a luz sai, luz interior que enxergamos quanto tocamos as trevas da morte, tudo está escuro, mas tudo é claro dentro de mim.

Nesse momento, o túnel em que eu passava clareou-se, e pude ver que das paredes saíam olhos um pouco maiores que minha cabeça. Observavam-me a todo o momento, suas retinas estavam sujas, mas a atenção era grande sobre mim, todos os meus movimentos eram seguidos por esses grandes olhos. Não havia saída, diante de mim, alem dos olhos, havia uma boca muito grande repleta de dentes pontiagudos que começou a falar.

(B) – Homem de asas de Metal, daqui pra frente não há saída, voltar é inútil, pois a estrada por traz de você foi apagada pelo esquecimento, se seguir a diante, lhe devorarei e meus olhos gozarão de sua derrota. A única coisa que lhe resta é permanecer parado aqui pela eternidade diante de meus olhos. Tu sabes tão bem que se avançar irá sofrer, pois meus dentes rasgarão sua carne e os vermes dessa terra submundana corroerão seus ossos eternamente. Tenha compaixão de si mesmo!!!

(AM) – Um guerreiro avança sempre em frente diante da batalha, vida e morte para ele devem ser igualmente honrosas. Cada passo até aqui foi dolorido demais, cada gota de sangue derramada até aqui foi sagrada demais, quero ver o que há por traz de você, grande boca dos infernos, e, ao ver o que você esconde, farei cair, de todas as paredes, seus grandes olhos, que irão murchar e apodrecer, e não mais vigiará aquilo que deseja. Pode ser que você me devore, mas não há pior tristeza do que permanecer tal e qual para sempre, tristeza e dor são diferentes, a tristeza nos fala de algo que não compreendemos, mas que devemos fazer sem saber o que é, a dor é a tomada de si, que é um prodígio doloroso e terrível, não quero me poupar, quem se poupa da dor sacrifica sua vida ao nada e a entrega ao puro permanecimento. Torne - se larga, pois jamais algo tão extenso quanto eu passou por você.

Então, dito estas palavras, disparei em corrida para atirar – me em sua boca, não há vida sem perigos, não há perigos sem arranhões e feridas.... e dor, é preciso, no combate, por – se diante da espada do adversário, sentir o vento e o cheiro da morte e aceitar todas as possibilidades. É necessário aceitar as derrotas, mas não os atos de covardia, é preciso se expor para sentir e viver verdadeiramente.