terça-feira, 28 de dezembro de 2010

- O Encontro Consigo Mesmo - Cap. II - Aquilo que nos aprisiona -


Sigo em frente, mas o caminho leva-me a descer cada vez mais. Há lama, barro, água suja. À frente vejo uma pequena luz e ouço um pequeno soluço, era uma menina segurando uma vela nas mãos nuas, a chama é fraca, mas a parafina fere suas pequenas mãozinhas.


(AM) – Quem é você menina? O que faz aqui nesse lugar terrível?

(M) – Estou aqui para lhe pedir que não mais caminhe para frente, pois cada passo seu faz a parafina escorrer e queimar minha mão.

(AM) – Então solte a vela, às vezes é necessário nos perdermos na escuridão, pois quando há claridade, já sabemos de tudo que está ao nosso redor e não nos permitimos viver a aventura do risco que está presente em cada instante.

Dito isto, pude dar mais um passo, mas a parafina escorreu e queimou a mão da menina e ela chorou muito. Ver aquela criança, naquele estado e saber que eu a causara mal fazia - me retroceder. Pude sentir minhas asas ficando mais pesadas. Quando retrocedi, a menina, com a outra mão, que não segurava nada, ergueu-se, havia unhas compridas nela, assemelhavam-se com a garra de um predador e, ao move-las com rapidez para baixo, cortou o ar e rasgou meu corpo, olhei para ela, mas não senti raiva, mas pena, coitada da criança. Porém, mais uma vez, ela cortou o ar e rasgou mais uma parte do meu corpo.

(AM) – Por que você faz isso? Por que me machuca?

Ela apenas ria a cada vez que me fazia sangrar, dizia que o fluxo do meu sangue era devir para seus olhos. "Isso é injusto, o que fiz eu para ter isso dessa menina?" Reuni minhas forças e pus a caminhar na direção dela, a cada passo via a parafina escorrer mais e mais e queimar sua mão, ela chorava, seu choro era profundamente entristecedor, penetrava em minha mente e feria meu espírito. "Por que estou fazendo isso? Serei eu tão cruel a esse ponto?" Pus minhas mãos em meus ouvidos e caí de joelhos no chão, não suportava aquele choro, pesava, sentia culpa. "Mas, por que alguém pode sofrer se tudo o que faço é “caminhar para frente”? Que mal há nisso?"

A menina viu que meus pensamentos eram fortes, mas quanto mais se intensificavam, mais ela sofria, podia ver a pele dela rasgar a cada pensamento meu. Freei então meus pensamentos. “O mal, por que fazemos o mal ao outro simplesmente por querer caminhar?” Ainda de joelhos, meus olhos encheram-se de lágrimas, era como se todo o meu coração expelisse os frutos da culpa. Diante dessa situação senti-me fraco, minhas asas de metal ficaram pesadas como nunca, e havia pensado na possibilidade de não mais deixar a vida prosseguir, pois ela marca um rastro de sangue que não é seu por onde passa. Ao pensar isso, a boca da menina se abriu, e de sua boca saiu uma enorme língua que enrolou em meu pescoço, senti que ia perder a cabeça e com ela todos os meus pensamentos. “Pra que serve o corpo sem pensamentos? Meramente sensação? Se vive? Não sei.... mas quanto mais penso mais leve ficam minhas asas. Eu só quero passar, não posso deixar de ir adiante apenas pelo motivo de alguém não ser forte o suficiente para largar a fraca luz que segura e que lhe faz mal, e atirar-se na escuridão para ver o que encontra. Se parar, perco os pensamentos e o sangue que corre em mim, se ir, talvez ela decida ir também, e então a libertarei.”

Ergui então meu corpo e com um golpe cortei-lhe a língua, pus a caminhar para frente, e a cada passo a criança chorava e suas mãos se queimavam mais e mais, ao alcançar a posição lateral de seu corpo, olhei para ela e disse:

(AM) – Ou caia na escuridão ou afogue- se em lágrimas e, diante dessa luz, conte quantos gotas caem durante todo o resto de sua vida.

A menina não foi, e seu corpo permaneceu ali parado, tive a impressão de que ela teria se tornado brasa, mas só impressão, não olhei para traz para averiguar. Há coisas que não damos conta, como por exemplo a vontade do outro, isso é escolha de cada um, mas que as escolhas dos outros não se configurem tetos aos quais limitem o nosso crescimento.

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