segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

- Encruzilhada -


O guerreiro mítico corre e desaparece em meio aos nevoeiros, eu, ao lançar – me, me perco de mim e me vejo lançado no centro entre quatro caminhos. Ventos quentes, frios, mornos e floridos, em todos a todo e ao mesmo tempo mergulho meu corpo indiferente de minha escolha.


Cada vento provém de um caminho distinto e fechado. Cair no centro de caminhos fechados, não há arbítrio entre os quatro, todas as possibilidades de caminho estão trancadas. Mas sinto alguma coisa permanecer, algo grita em mim e para mim, transcende os ouvidos por si mesmo, sussurra seu nome por si mesmo à minha escuta. Em tudo posso pensar, especular, momento inútil, pois diante de caminhos fechados não se pode escolher em qual pôr os pés.

A vida clama forte! Mas pode haver forte clamor em pleno momento de inutilidade? Sem arbítrio?

Por que escolher entre caminhos úteis? O que é um caminho útil? Ora, o que leva a algum lugar! Mas, diante de vários caminhos, qual o mais útil, qual o que leva mais longe? Estão postos e fechados, quem os construiu os trancou, por quê?

Para saber qual o caminho mais útil deve-se percorrer a todos, então, o caminho em si nada tem de valor, pois apenas é útil como meio. Mas, diante de caminhos trancados o arbítrio permanece morto, porém, a voz continua clamando em mim e para mim. Quando se cria um caminho pergunta-se para onde ele levará, se a chegada for algo proveitoso, há então utilidade. Mas, almejando chegar, pensamos aonde queremos chegar, e cada instante que chegamos em cada passo permanece morto, pois o que vive na concepção de caminho é a sua chegada.

Tenho que criar um outro caminho, mas todas as direções do mundo foram percorridas e agora estão fechadas e entre esses caminhos há apenas árvores, pedras, algumas montanhas e rios.

Em meio a esses pensamentos escuto o bater de um tambor e uma canção:



“o boa noite pra quem é de boa noite....

o bom dia pra quem é de bom dia...

a benção meu pai a benção....

Maculelê é o rei da valentia!!!!!”



Do meio da mata vejo surgir um homem trajando vestes de um guerreiro tribal, o som dos atabaques são o som dos seus passos, o olhar dos seus olhos é a faísca incandescente que cai do sol e salta do fogo, não é o guerreiro que eu procuro, mas emana muita sabedoria de suas palavras.

(M) – Está perdido guerreiro? Ou sabe onde está, mas necessita que te apontem um caminho para seguir? Tranquei todos, e agora?

(AM) – todos os caminhos que me levam a algum lugar estão fechados, não tenho por onde trilhar!

(M) – O caminho que leva a algum lugar é um caminho morto, pois se definiu, chegou aonde deveria, e trilhar o caminho que leva a algum lugar é chegar aonde alguém já chegou e descobriu um tesouro. Mas, o que acontece quando se encontra um tesouro? Leva-se embora. O caminho e sua finalidade permanecem ambos mortos e trilhar por eles é matar aquilo que te clama.

(AM) – Você está dizendo que a utilidade de um caminho é matar o caminho?

(M) – Quando se chega a algum lugar e denomina o caminho segundo o lugar que leva, matamos o caminho, pois tornou-se útil para levar a um lugar já alcançado, está definido, delineado, mapeado, todo o caminho assim vira estrada. A alternativa está no caminho inútil, quanto mais inútil o caminho mais vivo se torna, pois a cada passo se torna mais claro que se está na escuridão, não se sabe onde vai chegar e nem se vai chegar, por isso não leva a lugar nenhum, é inútil percorrer. Na inutilidade do caminho a finalidade não é direcionada para o fim, portanto o caminho nunca é meio, mas sim fim em si mesmo, cada passo, cada des-bravação é um chegada e uma descoberta. Caminho por caminhar, caminho porque a cada passo fortaleço as pernas. Quando se lança no caminho pelo caminhar apenas cada momento é contemplado, pois pode ser o último, pode ser que no instante adiante não consigamos nos manter de pé, e ao cair, perceber que os instantes em que alternamos os pés, perdemos e sacrificamos a vida, mas a cada sacrifício há um impulso cada vez maior, pois, por trás de cada arbusto há uma nova aventura.

(AM) – Por isso então que esses caminhos foram trancados, para que ninguém mais os percorressem?

(M) – Quem chega aqui nesse ponto em que os quatro elementos se tocam, cada um trazido por um vento e cada vento de um canto do mundo, não tem alternativa, o arbítrio é forçado a morrer.

(AM) – Mas, sem o arbítrio, o que sobra? Escravidão?

(M) – Vontade!!!! Essa é a voz que te clama, está para alem daquilo que foi posto para escolhermos. A vontade anseia em descobrir, por isso tem necessidade de escuridão, caminhos já iluminados pouco acrescentam a nossa arte, mas fazer arte é criar a todo instante, a arte por fazer arte, o caminho por fazer o caminho, criação e descoberta a cada passo.

(AM) – Compreendo suas palavras, preciso de solidão, preciso escutar minha vontade e pressentir para onde devo caminhar. Mas quem trilhou esses caminhos?

(M) – Cada um desses caminhos trilhou um guerreiro originário, cada um guardado por um elemento e estação. TERRA, AGUA, AR E FOGO, há muito descobertos como a fonte do todo o real. Cada um penetrou nesse universo de breu e escuridão, mergulhando na morte de todo o instante e desviando trevas adentro, e, o que conheceram, guardam como o mais precioso tesouro, por isso são chamados de “Guardiões”, os quatro guerreiros originários. Mas, você entendeu o porquê que encontraram algo? Não? E também o por que esses caminhos estão trancados? Se não, retire de si mesmo sua vida, pois não lhe é permitido dar um passo adentro dessas possibilidades.

(AM) – Compreendi o que dissestes.

Após dizer esta frase ao guerreiro tribal trancador de caminhos o vi desaparecer no meio do nada e do todo ali presente da mesma forma que surgira. Notei que no local em que estava e desapareceu permanecia uma argola e dela pendiam quatro chaves douradas cada uma com um símbolo correspondente a um dos elementos. Cada chave trazia cravado em seu corpo uma frase semelhante e comum a todas: “vontade ou arbítrio, o próximo passo é de responsabilidade dos seus pés”. Nesse momento meu espírito tentou-me, há maior facilidade, posso escolher qualquer chave e qualquer caminho, mas no fim, na chegada, o tesouro não mais estará lá, foi pego e está guardado por um guerreiro que se tornou Herói.

Este então é o marco separador, guerreiro para sempre ou Herói mesmo que por um momento. Atirei – me então no meio das trevas deixando jogada no chão as chaves douradas. O primeiro passo pode ser a última das mortes, mas, que assim seja.

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