terça-feira, 28 de dezembro de 2010

- O Encontro Consigo Mesmo - Cap. II - Aquilo que nos aprisiona -


Sigo em frente, mas o caminho leva-me a descer cada vez mais. Há lama, barro, água suja. À frente vejo uma pequena luz e ouço um pequeno soluço, era uma menina segurando uma vela nas mãos nuas, a chama é fraca, mas a parafina fere suas pequenas mãozinhas.


(AM) – Quem é você menina? O que faz aqui nesse lugar terrível?

(M) – Estou aqui para lhe pedir que não mais caminhe para frente, pois cada passo seu faz a parafina escorrer e queimar minha mão.

(AM) – Então solte a vela, às vezes é necessário nos perdermos na escuridão, pois quando há claridade, já sabemos de tudo que está ao nosso redor e não nos permitimos viver a aventura do risco que está presente em cada instante.

Dito isto, pude dar mais um passo, mas a parafina escorreu e queimou a mão da menina e ela chorou muito. Ver aquela criança, naquele estado e saber que eu a causara mal fazia - me retroceder. Pude sentir minhas asas ficando mais pesadas. Quando retrocedi, a menina, com a outra mão, que não segurava nada, ergueu-se, havia unhas compridas nela, assemelhavam-se com a garra de um predador e, ao move-las com rapidez para baixo, cortou o ar e rasgou meu corpo, olhei para ela, mas não senti raiva, mas pena, coitada da criança. Porém, mais uma vez, ela cortou o ar e rasgou mais uma parte do meu corpo.

(AM) – Por que você faz isso? Por que me machuca?

Ela apenas ria a cada vez que me fazia sangrar, dizia que o fluxo do meu sangue era devir para seus olhos. "Isso é injusto, o que fiz eu para ter isso dessa menina?" Reuni minhas forças e pus a caminhar na direção dela, a cada passo via a parafina escorrer mais e mais e queimar sua mão, ela chorava, seu choro era profundamente entristecedor, penetrava em minha mente e feria meu espírito. "Por que estou fazendo isso? Serei eu tão cruel a esse ponto?" Pus minhas mãos em meus ouvidos e caí de joelhos no chão, não suportava aquele choro, pesava, sentia culpa. "Mas, por que alguém pode sofrer se tudo o que faço é “caminhar para frente”? Que mal há nisso?"

A menina viu que meus pensamentos eram fortes, mas quanto mais se intensificavam, mais ela sofria, podia ver a pele dela rasgar a cada pensamento meu. Freei então meus pensamentos. “O mal, por que fazemos o mal ao outro simplesmente por querer caminhar?” Ainda de joelhos, meus olhos encheram-se de lágrimas, era como se todo o meu coração expelisse os frutos da culpa. Diante dessa situação senti-me fraco, minhas asas de metal ficaram pesadas como nunca, e havia pensado na possibilidade de não mais deixar a vida prosseguir, pois ela marca um rastro de sangue que não é seu por onde passa. Ao pensar isso, a boca da menina se abriu, e de sua boca saiu uma enorme língua que enrolou em meu pescoço, senti que ia perder a cabeça e com ela todos os meus pensamentos. “Pra que serve o corpo sem pensamentos? Meramente sensação? Se vive? Não sei.... mas quanto mais penso mais leve ficam minhas asas. Eu só quero passar, não posso deixar de ir adiante apenas pelo motivo de alguém não ser forte o suficiente para largar a fraca luz que segura e que lhe faz mal, e atirar-se na escuridão para ver o que encontra. Se parar, perco os pensamentos e o sangue que corre em mim, se ir, talvez ela decida ir também, e então a libertarei.”

Ergui então meu corpo e com um golpe cortei-lhe a língua, pus a caminhar para frente, e a cada passo a criança chorava e suas mãos se queimavam mais e mais, ao alcançar a posição lateral de seu corpo, olhei para ela e disse:

(AM) – Ou caia na escuridão ou afogue- se em lágrimas e, diante dessa luz, conte quantos gotas caem durante todo o resto de sua vida.

A menina não foi, e seu corpo permaneceu ali parado, tive a impressão de que ela teria se tornado brasa, mas só impressão, não olhei para traz para averiguar. Há coisas que não damos conta, como por exemplo a vontade do outro, isso é escolha de cada um, mas que as escolhas dos outros não se configurem tetos aos quais limitem o nosso crescimento.

domingo, 26 de dezembro de 2010

- O Voo Eterno -


Nem toda ave é pássaro


Mas para o homem, essa barreira pode ser transcendida.

O homem é infinito naquilo que pode e,

Ao contrário, deus está esgotado, já é tudo que poderia ser, encontrou seu limite,

O máximo em bem, beleza e justiça.

Deus não pode ser melhor do que é... é sempre esgotado.... não há possibilidade...

O homem pode, a cada dia, ser outro, por isso não se enquadra e nem quer ser divino...

É infinito para aquilo que lhe é possível.

domingo, 19 de dezembro de 2010

- O Encontro Consigo Mesmo - Cap. I - A Queda -



Posso sentir meu corpo cair, despencar velozmente e ultrapassar o limite do chão afundando-se no íntimo da escuridão do abismo. Dezenas, centenas de metros, corpo lançado ao fundo, cuspido do céu para cair nos domínios infernais. Mas não quero cair de vez, nem sei por que estou caindo, cair de vez pode significar minha morte, mas morrer talvez não seja uma má idéia, quem eu procurava não está mais aonde deveria estar e muitas pessoas morreram por mim. Talvez o meu espírito possua um valor maior que meu corpo e seja o suficiente para pagar o extermínio de tantas pessoas.


O peso de minha consciência torna meu corpo pesado, cair agora está no disparo, disparo para o fim ao encontrar com o fundo, morrer é a solução, é a justiça, a cada um.... a justa medida, e meu corpo não vale tantos milhares, minha alma não vale tantos milhares....

Meu corpo, ao encontrar – se com o solo no instante do impacto, se esfarela, a realidade do chão ao qual punha meus pés e agora deito o corpo para morrer, é dura. Espero um momento, mas a morte não vem. Ou será que é a vida quem vai? Morte é ausência de vida, então a vida deve se ausentar para que haja morte, que, na verdade, é apenas um espaço não mais ocupado. Se quero morrer, deixo então a vida ir, levanto-me do meu corpo e caminho, a morte está ali, lugar não mais ocupado, e eu, vida, vou. Vou não sei pra onde, caminho errante, caminhar no erro é aprender, mas que aprendizado há em provocar a morte de centenas de pessoas, mas tive que sair para encontrar uma pessoa. Mas se a pessoa não mais estiver, todas as mortes foram em vão.

Seria eu então feliz se não tivesse seguido o coração? E agora, no fracasso, sou eu feliz? Mas, se tudo tivesse dado certo, não estaria eu agora gozando de felicidades maiores? Às vezes, para termos mais e nos expandirmos, necessitamos arriscar perder aquilo que já temos em menor proporção. E eles, mesmo sofrendo derrotas, não seriam melhores se cada um se fortalecesse por si, do que confiarem toda sua segurança nas mãos de um só homem que julgassem ser o mais forte, mas que na verdade mal consegue voar com suas próprias asas? Não estaria eu então, assim como essas pessoas, desistindo da vida pelo fato de não ter mais confiança no futuro?

Voar por mim mesmo..... para alcançar um futuro..... mas o futuro é repleto de incertezas e há muitos “talvez”, mas a vida segue sua correnteza, leva para frente quem se deixa levar, arrasta, nos faz chocar com pedras pontiagudas, e as perfurações com que somos marcados por essas pedras nos fazem sermos mais fortes.

Após pensar essas coisas, consegui dar “um passo”, consegui “olhar” diante da escuridão do fundo do abismo ao qual caí e ver que há uma gruta ou algo parecido, já que o corpo ficou ali, pesado e gelado, resta-me caminhar puramente com o espírito.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

- O encontro com Zaratustra -


Após ter passado pelos sete encontros das quatro direções deparo-me com uma montanha, será que necessitarei subir ao mais alto ponto já contemplado por mim neste mundo para saber o mistério do guerreiro mítico? Aquele que deseja o saber dos mistérios deve arriscar a vida, pois quanto maior o conhecimento, maior o perigo, e um pensamento errado pode nos desviar de tal conhecimento.


Mas, por que escalar se possuo asas para ao topo poder voar? Afastei-me algumas centenas de centímetros, pus-me a correr com toda a minha força e saltei o quanto minhas pernas permitiram e com o bater de asas tentei voar, mas algo estranho aconteceu, elas voltaram a ficar pesadas, pois num momento havia mudado meu pensamento e um simples desvio de pensamento pode afugentar o mais sagrado dos conhecimentos.

Percebendo o início de minha queda atirei-me em direção da montanha e me agarrei a ela, mas ela estava cheia de cacos de vidro que penetraram em meu corpo, sentia minha pele ser rasgada e perfurada. Apesar de tudo me mantive firme, tenho que efetuar tal subida mesmo que me custe algo de muito valor: minha saúde física. Escalei com todo o meu empenho e os cacos de vidro que estavam na montanha foram ficando para traz. Senti-me então otimista, o pior havia passado? Não!!! O pior ainda estava por vir!!! O vir – a –ser da alta periculosidade. Surgiram então, mãos e línguas da montanha, as mãos agarravam-se aos meus braços e pernas e os puxavam para baixo, as línguas adoeciam minha mente com palavras profanas e blasfemadoras de vida, expeliam toda a imundície, todo o escárnio do linguajar humano.

(línguas) – A nossa saliva atiraremos no pó do seu corpo que putrefará, faremos assim lama, e lá porcos dançarão e profanarão aquilo que seu corpo será, agora inundado de saliva das línguas dessa montanha, plantas de espinhos cresceram no barro e se alimentarão de moscas e todo tipo de vermes.

Essas palavras e diversas outras causavam terror na minha alma que ansiava partir, mas precisava soltar – me das mãos que me prendiam, não tinha alternativa a não ser golpear a montanha, mas, talvez não aconteça nada, talvez eu morra, talvez haja um monstro e me devore. Mas devo tentar.

Golpeei então a montanha com o meu punho, meu braço foi tragado para dentro por completo e pude perceber um sangue escorrendo de dentro da montanha. Como será possível uma montanha sangrar? Devo ter ferido-lhe o coração, e as mãos num instante ficaram paralisadas e as línguas secaram e caíram. Pude então continuar minha subida.

Após ter superado todo o percurso, alcancei o topo da montanha, com muito sacrifício consegui por o meu corpo por completo e deita-lo lá, mas o sofrimento continuaria, pois ali havia um homem sentado que olhou para mim e falou.

(HD) – você é muito ousado, ter desafiado a minha montanha e ter subido até aqui para obter um conhecimento que talvez lhe fará sofrer mais ainda..... muita idiotice da sua parte..... o conhecimento é só para aqueles que estão dispostos a suportarem o sofrimento.

(AM) – Quem é você, homem falante de voz pesada?



(HD) – tenho muitos nomes, uns me chamam de “Nietzsche”, outros de “Zaratustra”, mas isso não importa. Está aqui por que quer encontrar alguém não é?

(AM) – Como sabe?

(Z) – Vejo muito mais longe que qualquer homem desse mundo, e se ergui essa montanha, foi por ter decido fundo na dor da humanidade da minha época para mostrar-lhes que era possível viver sem condenar a própria vida.

(AM) – Mas, como que você irá me ajudar, como que irei ter o conhecimento necessário para poder voar com perfeição e encontrar quem preciso encontrar.

(Z) – Para voar pelos outros é necessário voar por si, sem si mesmo, nada pode pelo outro. E, digamos, como eu lhe disse, sou o homem que mais longe vê, e eu, tendo essa capacidade, posso saber de coisas que você nem sonha em saber, ora, ergui uma montanha, a mais alta desse mundo. Portanto, digo, quem você procura não mais lhe aguarda, pois foi encontrada por outra pessoa.

Dito estas palavras Zaratustra olhou friamente nos olhos do Homem de Asas de Metal e viu que escorria lágrimas de um silêncio ensurdecedor. Zaratustra continuava a observar o homem que se mantinha com a cabeça baixa e demonstrava-se pensativo.

(Z) – O que foi? Perguntou Zaratustra. Vai desistir de aprender a aperfeiçoar seu vôo?

Mantive-me em silêncio, pensando nas palavras que ele me disse, pode ser que esteja errado, mas, é o homem que mais longe vê, é o homem que edificou a mais alta e mais terrível montanha, e sempre que considerava verdadeira a sua afirmação meu coração rasgava os músculos do meu peito e sangrava pelos olhos.

(Z) – Tem mais uma coisa, lembra aquela cidade que você deixou para ir em busca daquilo que você já sabe que está perdido? Foi totalmente destruída, sem você com suas asas criadoras de furacões e tempestades para protege – la, todos morreram, inclusive as crianças, mas as mulheres fora levadas como escravas.

(AM) – Não!!!! Você é um mentiroso!!!

(Z) – Como que a verdade pode não estar comigo se consigo ver coisas da sua vida que estão a milhas de distância escondidos em seus pensamentos.

Calei-me...... não sabia o que dizer, percorri todo esse caminho, escalei essa montanha.... para quê? Para nada? Para constatar que tudo foi em vão?

(Z) – Quer saber como posso ver tão longe quanto nenhum outro ente é capaz?

(AM) – Isso é impossível..... como você pode? Você sem dúvida não é um homem comum, não é simplesmente um sábio...... o que você é de fato???

(Z) – Eu sou o “Super – Homem”, pois tive coragem de mergulhar no mais profundo abismo da dor e compreende-la, e ao compreender a dor, em meio a minha solidão, vislumbrei um enigma, e pude dar a mais gozada gargalhada. Superei a mim mesmo, trepei em minha própria cabeça para poder ver mais longe e subir mais alto. Quer voar com perfeição? Supere a si mesmo. Mas acho que não tem coragem para tanto. Você quer voar para os outros, isso é impossível, voe para si mesmo, e assim torna-se-á grande o bastante para abarcar aos outros.

(AM) – Dor, enigma, visão, por que a dor? Por que o sofrimento? Por que as asas são tão pesadas? Como lançar-me no mais profundo abismo da dor?

(Z) – Para isso você precisa de algo que se possui em raridade: solidão!!!

(AM) – Mas, a muito tenho caminhado sozinho.

(Z) – Solidão não é ausentar-se das pessoas, mas sim, na sua hora mais silenciosa, encontrar – se consigo mesmo. Por isso odeio a compaixão, rouba o direito de viver na dor do outro e o retira a possibilidade de ter solidão, fazendo – o perder-se de si mesmo.

(AM) – Não compreendo suas palavras.

(Z) - Torne-se solitário e entenderá.

Zaratustra então tocou – me com seu dedo na testa e, com um toque, empurrou – me do alto da sua montanha e comecei a cair, quando pensei que ia me espatifar no duro solo, penetrei-me nele e comecei a cair em meio à escuridão do abismo.

- Estrela lançada, cadente em aporia -


Por trás da coluna há um eu desconhecido!


Sou labirinto, caminho e me perco em meus passos.

Procuro extasiado e indomado o inexistente.

Tentei escrever algumas palavras, mas elas me vieram num sonho e desapareceram sem deixar marcas em nenhuma parede.

Tudo ficou disperso, o mar se tornou um quebra – cabeças cujas peças sua própria maré levou. Pego uma estrela e a atiro no horizonte do céu, ela vai e, em sua ponta, inúmeros números se multiplicam em cálculos e teoremas, mas no fim, culminam em aporia.

Todas as metáforas foram esgotadas de sentido tornando-se palavras vazias, falo sem nada a dizer, faço sem querer fazer, espero sem querer esperar, penso se meus pensamentos são realmente minha propriedade.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

- Encruzilhada -


O guerreiro mítico corre e desaparece em meio aos nevoeiros, eu, ao lançar – me, me perco de mim e me vejo lançado no centro entre quatro caminhos. Ventos quentes, frios, mornos e floridos, em todos a todo e ao mesmo tempo mergulho meu corpo indiferente de minha escolha.


Cada vento provém de um caminho distinto e fechado. Cair no centro de caminhos fechados, não há arbítrio entre os quatro, todas as possibilidades de caminho estão trancadas. Mas sinto alguma coisa permanecer, algo grita em mim e para mim, transcende os ouvidos por si mesmo, sussurra seu nome por si mesmo à minha escuta. Em tudo posso pensar, especular, momento inútil, pois diante de caminhos fechados não se pode escolher em qual pôr os pés.

A vida clama forte! Mas pode haver forte clamor em pleno momento de inutilidade? Sem arbítrio?

Por que escolher entre caminhos úteis? O que é um caminho útil? Ora, o que leva a algum lugar! Mas, diante de vários caminhos, qual o mais útil, qual o que leva mais longe? Estão postos e fechados, quem os construiu os trancou, por quê?

Para saber qual o caminho mais útil deve-se percorrer a todos, então, o caminho em si nada tem de valor, pois apenas é útil como meio. Mas, diante de caminhos trancados o arbítrio permanece morto, porém, a voz continua clamando em mim e para mim. Quando se cria um caminho pergunta-se para onde ele levará, se a chegada for algo proveitoso, há então utilidade. Mas, almejando chegar, pensamos aonde queremos chegar, e cada instante que chegamos em cada passo permanece morto, pois o que vive na concepção de caminho é a sua chegada.

Tenho que criar um outro caminho, mas todas as direções do mundo foram percorridas e agora estão fechadas e entre esses caminhos há apenas árvores, pedras, algumas montanhas e rios.

Em meio a esses pensamentos escuto o bater de um tambor e uma canção:



“o boa noite pra quem é de boa noite....

o bom dia pra quem é de bom dia...

a benção meu pai a benção....

Maculelê é o rei da valentia!!!!!”



Do meio da mata vejo surgir um homem trajando vestes de um guerreiro tribal, o som dos atabaques são o som dos seus passos, o olhar dos seus olhos é a faísca incandescente que cai do sol e salta do fogo, não é o guerreiro que eu procuro, mas emana muita sabedoria de suas palavras.

(M) – Está perdido guerreiro? Ou sabe onde está, mas necessita que te apontem um caminho para seguir? Tranquei todos, e agora?

(AM) – todos os caminhos que me levam a algum lugar estão fechados, não tenho por onde trilhar!

(M) – O caminho que leva a algum lugar é um caminho morto, pois se definiu, chegou aonde deveria, e trilhar o caminho que leva a algum lugar é chegar aonde alguém já chegou e descobriu um tesouro. Mas, o que acontece quando se encontra um tesouro? Leva-se embora. O caminho e sua finalidade permanecem ambos mortos e trilhar por eles é matar aquilo que te clama.

(AM) – Você está dizendo que a utilidade de um caminho é matar o caminho?

(M) – Quando se chega a algum lugar e denomina o caminho segundo o lugar que leva, matamos o caminho, pois tornou-se útil para levar a um lugar já alcançado, está definido, delineado, mapeado, todo o caminho assim vira estrada. A alternativa está no caminho inútil, quanto mais inútil o caminho mais vivo se torna, pois a cada passo se torna mais claro que se está na escuridão, não se sabe onde vai chegar e nem se vai chegar, por isso não leva a lugar nenhum, é inútil percorrer. Na inutilidade do caminho a finalidade não é direcionada para o fim, portanto o caminho nunca é meio, mas sim fim em si mesmo, cada passo, cada des-bravação é um chegada e uma descoberta. Caminho por caminhar, caminho porque a cada passo fortaleço as pernas. Quando se lança no caminho pelo caminhar apenas cada momento é contemplado, pois pode ser o último, pode ser que no instante adiante não consigamos nos manter de pé, e ao cair, perceber que os instantes em que alternamos os pés, perdemos e sacrificamos a vida, mas a cada sacrifício há um impulso cada vez maior, pois, por trás de cada arbusto há uma nova aventura.

(AM) – Por isso então que esses caminhos foram trancados, para que ninguém mais os percorressem?

(M) – Quem chega aqui nesse ponto em que os quatro elementos se tocam, cada um trazido por um vento e cada vento de um canto do mundo, não tem alternativa, o arbítrio é forçado a morrer.

(AM) – Mas, sem o arbítrio, o que sobra? Escravidão?

(M) – Vontade!!!! Essa é a voz que te clama, está para alem daquilo que foi posto para escolhermos. A vontade anseia em descobrir, por isso tem necessidade de escuridão, caminhos já iluminados pouco acrescentam a nossa arte, mas fazer arte é criar a todo instante, a arte por fazer arte, o caminho por fazer o caminho, criação e descoberta a cada passo.

(AM) – Compreendo suas palavras, preciso de solidão, preciso escutar minha vontade e pressentir para onde devo caminhar. Mas quem trilhou esses caminhos?

(M) – Cada um desses caminhos trilhou um guerreiro originário, cada um guardado por um elemento e estação. TERRA, AGUA, AR E FOGO, há muito descobertos como a fonte do todo o real. Cada um penetrou nesse universo de breu e escuridão, mergulhando na morte de todo o instante e desviando trevas adentro, e, o que conheceram, guardam como o mais precioso tesouro, por isso são chamados de “Guardiões”, os quatro guerreiros originários. Mas, você entendeu o porquê que encontraram algo? Não? E também o por que esses caminhos estão trancados? Se não, retire de si mesmo sua vida, pois não lhe é permitido dar um passo adentro dessas possibilidades.

(AM) – Compreendi o que dissestes.

Após dizer esta frase ao guerreiro tribal trancador de caminhos o vi desaparecer no meio do nada e do todo ali presente da mesma forma que surgira. Notei que no local em que estava e desapareceu permanecia uma argola e dela pendiam quatro chaves douradas cada uma com um símbolo correspondente a um dos elementos. Cada chave trazia cravado em seu corpo uma frase semelhante e comum a todas: “vontade ou arbítrio, o próximo passo é de responsabilidade dos seus pés”. Nesse momento meu espírito tentou-me, há maior facilidade, posso escolher qualquer chave e qualquer caminho, mas no fim, na chegada, o tesouro não mais estará lá, foi pego e está guardado por um guerreiro que se tornou Herói.

Este então é o marco separador, guerreiro para sempre ou Herói mesmo que por um momento. Atirei – me então no meio das trevas deixando jogada no chão as chaves douradas. O primeiro passo pode ser a última das mortes, mas, que assim seja.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

- O Amanhecer visto de Olhos Fechados -





É noite, vi o amanhecer de olhos fechados, voz quieta e sorriso calado, lágrimas que corriam sem molhar, pensamentos derivados do soluçar. Soluços, pressão, agressão, meu amigo teme o mestre, torna-se pequeno por vontade própria, implora piedade por vontade própria, tem compaixão de si mesmo e exalta sua covardia. “Por que temer o mestre?” Pergunto a ele. “Se de sua mão arrancar-lhe a espada é para ensinar-te que é preciso segurar com mais firmeza.”


Disse a ele essas coisas enquanto observava o amanhecer de olhos fechados, o amanhecer amanhece primeiro por dentro, na noite, para depois coincidir com um outro amanhecer plural. O amanhecer de olhos fechados, inefável, catastrófico, é totalmente mistério para o outro. Observo um único sol provedor desse único amanhecer que somente a mim é possível contemplá-lo dessa maneira.

Olhos fechados!!!!!!

Vejo o amanhecer..........

Não posso lhe mostrar, não consigo falar e nem sei quando se inicia...

E nem sei quando alcança seu esplendor........

E sei muito menos se algum dia deixa de ser dia após o amanhecer.......



É amanhecer de fato, de um ato diverso do que foi dito.

Vejo e ponho-me a contemplar o amanhecer de olhos abertos, minhas vistas são feridas e rasgadas por essa luz matinal. Vista com olhos fechados........ é suave e fortalece a vista............. mas...... tudo bem............

O homem carregador de uma lança caminha caminhante totalmente andante em minha direção, observo e o vejo, avisto-o ainda distante e num instante de mim está diante. É-me familiar teu semblante. Sua lança, no ar dançante, é suspiro e canção de dor de um homem errante.

Levanto-me, ergo minhas asas pesadas do chão, frente a frente face a face, finalmente vejo de perto o guerreiro de uma só lança. Uma não por carregar apenas uma lança, mas sim por ser a quantidade necessária de golpe para derrotar qualquer inimigo. Um não em quantidade, mas qualidade, perfeição no manejo com a arma, perfeição no ato de vida e morte do combate, perfeição e compaixão, pois se mata o adversário com um único ataque.

(AM) – Quem é você, guerreiro carregador de lança? Quem é você que sempre se faz carne e da carne fumaça? Quem é você que livrou – me da morte algumas vezes?

(GM) – Protejo sempre os filhos do combate, mas somente aqueles aos quais o combate transforma em artistas. Seu corpo não é capaz de suportar meu nome, é preciso transcender o próprio corpo e purificar os ouvidos para ouvir quando eu pronunciar. Se quer saber quem eu sou deve trilhar o caminho que eu trilhei sem se perder de seu caminho, mas afirmo: seus pés sangrarão, sua mente se quebrará e nada restará em seu coração.

Dita essas palavras, o guerreiro partiu colocando-se a correr em direção à névoa que cobria parte do amanhecer e dispersou-se entre ela. Coloquei meu espírito e minha alma na sola dos meus pés e pus-me em direção á nevoa do amanhecer.

domingo, 5 de dezembro de 2010

- Pipa no céu -


Gosto, entre pela minha sensibilidade e faça morada nas minhas decisões


Desejo, igualmente me arromba e corrompe meus impulsos verdadeiros.

Minha mente é alimentada, vômitos e descargas de sujeira trazendo bactérias destroem meus pensamentos.

Penso que escolho...

Penso que sinto...

Penso que penso...

Acredito ser a minha vontade verdadeira vontade...

Somos igual pipa no céu: pensamos que somos pássaros.

- Da primeira vez que te beijei -

Depois daquele momento percebi que a boca servia para algo a mais que comer


Percebi, nesse momento, a sensação mais sagrada de toda a humanidade.

E, depois, não queria que tal sagrada sensação desaparecesse profanando-a com o ato comum de se alimentar.