domingo, 10 de outubro de 2010

- O que constitui o guerreiro: O encontro com o Filósofo. -


Ando em meio à tempestades, não mais escondo-me em minhas sombras. Ali, por entre aquelas montanhas, há uma pequena cidade. Talvez encontre abrigo, talvez encontre a repulsa, talvez encontre o inesperado, pois a magia dos momentos se encontra nas pequenas surpresas. Mas magia não somente é brilho, as proporções de seus efeitos são inimagináveis, podendo atrair desgraças e precipícios. Porém não mais me amedronto, aprendi que todos os acontecimentos que emergem no caminho do homem são constitutivos do guerreiro.


Embora pudesse avistar tal cidade, ou melhor, tal vilarejo, pois havia poucas moradias e estas, erguiam - se com todas as fibras possíveis de se reunir. Percebi isso, pois resistiam a essa tempestade, terrível, assustadora. Chegando, ao centro, havia uma pequena praça, as pessoas se escondiam em suas casas, fechavam as portas e janelas, temiam tempestades, eu porém, sou amante de tempestades, é impossível para mim conceber meus caminhos isentos de tal acontecimento.

Observei com vista cansada, mas não abalável, meus olhos nada cansam de ver, e quanto mais veem mais visão desejam. Vi então dois homens em meio a essa praça, usavam roupas escuras, uns trajes nunca vistos antes por aqui. Usavam faixas em suas testas portando palavras que, pelo fato de estarem expostas em suas testas, deviam significar muito para eles. Na cabeça de um estava escrito: “Mestre”; no outro: “Doutor”.

Conversavam em voz alta em meio à praça. Falavam como se suas vozes fossem dotadas de poder, pois suas palavras eram afiadas como facas. Pude ouvir então eles comentarem que logo mais acima havia uma cabana. Dizia, segundo o que escutei, que ali era a morada de um filósofo.

“Mestre” e “Doutor” puseram – se a caminho. Eu, mesmo não temendo tempestades, mas atendendo às necessidades do corpo, pus-me a segui-los. Talvez esse homem que chamam de “filósofo” possa me acolher pelo menos durante essa noite.

Os homens bateram à porta e entraram. Aproximei quase junto a eles e pude vê-los entrando e também o interior da casa. Lá dentro havia um homem aparentando idade, pois sua barba já branca ultrapassava o pescoço. Aquecia-se diante de uma fogueira, contemplava as chamas do fogo como alguém que estivesse diante de algo muito sagrado.

“Entrem, pois aqui também estão presentes os deuses”, disse o velho filósofo. Os dois homens pareceram ter se decepcionado e disseram: “perdemos nossa viagem, viemos de uma época tão longínqua em busca de um grande pensador e aqui encontramos apenas um velho falando de deuses, mal sabe ele que todos os deuses já foram expulsos do Olimpo e que lá agora reinam os homens”. Viraram as costas e saíram.

“E pensar que esses são os nossos herdeiros” disse o velho, “nada compreendem”.

Nesse momento entrei silenciosamente e lhe pedi abrigo, o velho então permitiu que eu entrasse. Ele, após minha entrada, permaneceu em silêncio observando o fogo. Esse silêncio me incomodava, resolvi então puxar conversa com ele. Se o chamam de “filosofo” é porque deve ser muito sábio, ou, talvez, louco? Fala que há deuses aqui, eu não vejo nenhum, sei lá, perguntar, dependendo a forma com que se pergunta, não ofende.

“Você disse àqueles homens que aqui também se fazem presentes os deuses. Como? Eu não os vejo!”

Ele levantou-se e se dirigiu a uma janela no fundo da sala, ficou observando por alguns minutos, parecia paralisado. Com sua mão direita abriu a janela, um vento terrivelmente frio e carregado de gotas d’água invadiu a sala, ele me pediu para olhar para fora e me perguntou: “O que você vê?”

Respondi que não havia nada mais que uma floresta em meio a uma tempestade.

“Não há floresta e nem tempestade, mas sim um rio que passa levando consigo as águas mortas e renovando esta correnteza com outras águas. Cada folha de cada árvore está em combate com cada fragmento de vendaval, com cada fragmento de gota d’água e nesse combate nasce o vencedor e o derrotado. Ou a folha cai, ou esta permanece firme em sua força, sendo soberana a cada fragmento de gota d’água e a cada fragmento de vendaval. Assim o todo é guerra, assim o todo é rio fluindo, água arrastando pedra, pedras se juntando umas sobre as outras tentando, inutilmente, fazer represa. No todo tudo está lançado no jogo das possibilidades. Imagine agora isso acontecendo em todos os lugares, do minúsculo ao mais expandido espaço, simultaneamente. A isso chamo Devir, porém, esta é apenas uma visão, a compreensão necessita de muito mais horizonte.”

Dita estas palavras, fechou a janela e sentou-se no chão, próximo a ele havia um saco, e de lá começou a retirar pedras.

“Que são essas pedras?” perguntei.

“São fragmentos de minha ‘pedra filosofal’”.

Em cada pedra havia palavras inscritas. Ele tirou uma e disse que era um presente, eu então aceitei, e nesse fragmento de “pedra filosofal” estava inscrito: “O raio governa todas as coisas. Sobrevindo o fogo, julgará e condenará todas as coisas.”

Segurei a pedra em minhas mãos e li esta frase. Ergui meus olhos e a cabana havia desaparecido, não havia mais “filósofo”, nem tempestade e nem janela, tudo agora era um imenso deserto, olhei pra o céu e vi um meteoro tracejando seu rastro de fogo, perto, muito perto, chocou-se então, não muito distante, com a terra, corri então para ver aonde havia caído. Chegando ao local, do lado da cratera, havia um imenso espelho, me aproximei. Algo semelhante e ao mesmo tempo diferente do meu reflexo aparecia.

Mas, há algo de errado, a imagem no espelho não corresponde a mim, mas sim a um homem, que também segura um pedaço de pedra na mão, porém tal homem possui negras e compridas “asas de metal”. A curiosidade nesse momento tomou em emoção meu coração, todos os movimentos eram repetidos pelo outro do espelho. Mas ele também possui um pedaço de pedra na mão, que diabos está escrito lá? Ou talvez a pedra esteja lisa?

Se os movimentos se repetem, se eu erguer a pedra assim também a imagem também o fará. Bom, assim espero. Ergui então minha pedra e, da mesma maneira, o outro também o fez, em sua pedra também havia uma frase, e...

“lá estava escrito....”

“lá estava escrito...”

“Repleto de si mesmo” (http://acancaodeumaalma.blogspot.com/2010/07/fragmento-de-meteoro.html )


“O raio governa todas as coisas”

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