quinta-feira, 29 de julho de 2010

- Aquilo que se chama “devir” -


Certo dia observava um rio passar e discorrer, sempre o mesmo, mas nunca sempre ele mesmo. Um homem, corajoso e heróico, buscando glória entre os mortais, atreveu-se entrar nesse rio. Primeiro molhou os pés, o frescor da água era bom, e isso o agradou. Decidiu ir mais afundo, caminhou com passos cautelosos até tornar sua cintura coberta pela água. A experiência do rio passando o agradava, era feliz, o rio era a divindade para esse homem. Mas, num momento, percebeu – se velho, e a correnteza o arrastou um pouco para trás, sentiu desespero, pois o desconhecido fluxo poderia levá-lo a perder a vida.
Mesmo diante do desespero ainda se sentia livre, escutava o palpitar de seu coração nas águas do rio, batidas fortes e vitais, tornou-se criança, mal consegui manter a cabeça fora da água. Às vezes era coberto pelo fluxo, mas, mesmo diante da morte por afogamento, sabia que não iria morrer. Adrenalina, liberdade, tudo ainda existia. Jovem e adulto se fez novamente. Risos e gargalhadas, mas somente por um momento, a velhice e a infância logo logo retornariam, e com elas o risco de ser levado correnteza abaixo ou de se afogar.
O homem estava decidido, gostava do rio, mas estava ciente de seus perigos misteriosos. Porém o maior dos perigos, mal sabia ele, estava escondido em si mesmo: pensamento. Pensamento? Sim!!! O pensamento que conduz ao conceito e não mais se permite ao perigo das correntezas selvagens.
Pensou por muitas horas e, enquanto pensava, viu o sol se pôr e renascer posteriormente. Durante esses momentos esqueceu seus pensamentos. Mas o desfecho não tarda por vir. Gostava das águas dos rios, mas desejava segurança. O rio solto e selvagem é perigoso. Construiu então, em meio ao rio, um poço. Ali a água sempre permanecia, sem perigos, a morte passava por cima e nada via, não mais envelheceu e nem se tornou criança. Ali foi feliz. Pelo menos alcançou aquilo que compreendia por “felicidade”. Mas, certo momento, chamemos assim, pois não podemos mais dizer se é dia, noite ou tarde, sentiu saudade de ver o sol se pôr e renascer, este, sem dúvida, foi um dos momentos mais marcantes enquanto brigava com o rio em sua correnteza.
Eu, “hum” “hum”, o homem, quero dizer, sentiu-se triste, chorava de saudades daquele fenômeno. O sol é livre para morrer e nascer quantas vezes quiser, o homem, da mesma forma, envelhece e vira criança, mas isso depende do rio e não da sua vontade. O sol nasce o morre, renasce, porém permanece repleto de luz sempre, assim é para os outros, nascimento e morte dependendo de quem o vê, e isso é belo, repleto de luz sempre para si mesmo, e isso também é belo.
Dentro de seu poço escutei gargalhadas, pessoas entravam do rio, cada vez mais, riam e choravam, mas reinava “felicidade”. Senti pânico e pavor, nada passava, repouso eterno, tédio, vida morta. Com minhas mãos toquei o barro do fundo do poço, era argila, se modelasse poderia ficar consistente. Comecei então a erguer uma pequena montanha no fundo do poço, com muito sacrifício o homem alcançou novamente o rio. Desde então aceitou ser velho, criança e jovem infinitas e limitadas vezes. Permitiu também os outros, que também estavam no rio, o vissem como quisessem e se alegrassem ou não com isso. Era agora o sol para si mesmo, podia ser o sol para iluminar outros sóis, ou luas, ou outras estrelas. Permitiu também ser tocado por outras luzes de outros astros, era um com o rio e o rio um com todos.
Flores nasciam e morriam, mas a beleza dos jardins sempre permanecia. Assim é.

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Que lindo!
    Gostei muito, isso de permitir o vir a ser, a gente tem todos os dias ou todos os momentos, mas precisamos merecer ou seja aceitar.
    Bj

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