domingo, 5 de setembro de 2010

- Quezacolt e a constituição do guerreiro -


Lancei – me então a caminhar por esse caminho de correnteza mar adentro, meus pés se agarram na lama presente na profundidade não tão mais profunda que meu corpo. Deslizo e às vezes um pouco de água salgada me entra garganta abaixo, minhas palavras têm se tornado pouco mais amarguradas, porém, o sal conserva as coisas por mais tempo e das impurezas resguarda. Palavras amargas, porém fortes.
Caminho de correnteza que leva para a boca da morte. Confesso que depois de ter decidido navegar por tal rota tenho pensado muito na morte e tais pensamentos tem me tirado a tranqüilidade serena de meus passos e olhares.
Olhares, olhos em direção ao abismo ao qual a correnteza me leva. Boca da morte. Serei submerso em instantes pelo desconhecido e obscuro fim certo de todo homem. Preparo-me, reúno toda minha sabedoria oratória, clamo a todos os deuses, tudo o que desejo é fugir de mim mesmo nesse momento.
Mas, à minha frente novamente turbilhão, surge a serpente, gigante como sempre, como sempre eternidade, arremessa-me para as alturas e distante da boca da morte me confronto com o chão, duro. Chão de ferro? Não, mas dureza terrestre. Gosto de sangue na boca, gosto de ferrugem. A serpente fita-me mais uma vez, mas agora não sinto medo, somente fúria, havia eu finalmente conquistado a boca da morte, pela primeira vez encarava algo de frente, pela primeira vez fazia algo com dignidade, e desse momento, fui privado.
Ela, porém, somente me observava, observava meus ataques de fúrias infantis, choro e gritos, vergonhoso, sei, mas finalmente manifestava algo de minha natureza, mesmo que infantilmente. Era raiva, sentimento originário, belíssimo, pois vinha do coração.
Suas bocas repletas de dentes abriram-se, percebi que a muito engolira o sal da água, pois suas palavras eram duras e fortes, mas purificadas de tudo o que é imprestável.
“Morrer dignamente se faz abrindo-se à vida diante da morte, não deixar-se arrastar para o abismo, ao abismo se desce numa empreitada por vontade e consciência, mas nunca por conformação. Conformar-se é faltar com virtude para consigo mesmo e para com a morte..... e a vida também.” Disse ela.
Enfurecido gritei: “vergonhoso para mim não é ser arrastado para boca da morte, mas sim viver pela misericórdia alheia, não me devorastes antes, pois não era digno o suficiente para ser adversário de alguém, mas agora, devora-me, não necessito de sua misericórdia para viver. Sou digno de ser derrotado e devorado, pois aqui, abro-me o corpo inteiro ao combate. De nada me diferencio de humanidade natural dos outros homens, não lhe deixarei partir sem com isso tiverdes arrancado e levado consigo minha alma.”
“Digno tu és” disse ela novamente, “conquistastes agora não somente o direito de morrer com dignidade, mas também um conhecimento do qual sou deus: há dois tipos de vida, um você já se lançou, e para isso é preciso coragem, o outro é necessário ganhar, e disso me diferencio dos homens, pois o perpetuo e o faço eterno em si mesmo. Então lhes digo: a vida é um “instante de raio”, cada instante de raio traz para si todos os reflexos anteriores e abre o infinito de possibilidades para frente anunciado no rugir de um trovão. O instante de raio reúne seus reflexos e tudo se dá em si mesmo tornando-se repleto do que se é. Os olhos alheios, pouco verão quando manifestares o instante de raio, mas confundirão seus reflexos com suas sombras. Reflexo é para si mesmo no instante de raio, sombra deixada é impressão do movimento comum. Você passará, mas os outros enxergarão seus reflexos como sombras. Reflexo é para si, sombra é para o outro, é um e o mesmo, mas depende do ponto de vista. Reflexo é verdade, sombra, opinião, porém a verdade da maioria das pessoas é sombra.”
Dita estas palavras, a serpente virou as costas e partiu para o mar obscuro dos caminhos de correnteza. “Qual o seu nome?” perguntei. E um rajado de vento forte soprou em meus ouvidos: “Quezacolt”

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