domingo, 22 de março de 2015

- O governo de Ideia -

"Você não possui as Ideias, elas que possuem você".


Desde que cheguei a esse vilarejo percebi que todos os dias, do amanhecer ao por do sol, um homem velho se dirigia para a beira do mar e permanecia por lá, sentado, o dia inteiro. Embora sempre quisesse saber o motivo dessa sua atitude, algo me imobilizava, tinha a sensação de que seu eu fosse até lá e interrompesse seu ritual estaria profanando a sacralidade de seu cotidiano.
Essa curiosidade permaneceu por dias até que não pude mais suportar a angústia e a inquietação que me impulsionava a querer ir lá e perguntar. Pois bem, aprendi que um homem deve controlar seus instintos e vontades, mas isso já vinha de algo mais profundo do que o simples e forte desejo, era uma necessidade, um apelo que partia do fundo da minha alma e eu, que trabalhava arduamente na arte de voar com asas de metal e adotara o conselho de aprender a ouvir a canção que vinha da minha alma, não pude mais suportar. A melodia entoada por minha alma me obrigava a ir até lá, se quisesse voar com asas de metal, conversar com aquele homem velho era um requisito.
Pois é, meio amedrontado diante das possibilidades que me aguardavam e das quais eu desconhecia completamente, caminhei em direção a ele.
Ao me aproximar, percebi que o velho permanecia imóvel fitando o mar, minha presença era completamente indiferente para ele. Então resolvi quebrar o silêncio.

(Ham) - O mar está bonito hoje, não?

O velho permaneceu indiferente como antes, então tentei novamente.

(Ham) - Tem uma tempestade se aproximando...

Antes que pudesse terminar a frase o velho estendeu a mão em sinal de silêncio e imediatamente me calei.

(OldMan) - Espero, todos os dias, a Ideia.

Isso soou meio estranho, não entendi nada do que o velho queria dizer, esperar a Ideia chegar observando, todos os dias, o mar??? Mil interrogações assombraram meus pensamentos nessa hora, por mais estúpido que isso parecesse o velho sabia muito bem do que falava, e isso foi o mais assombroso, pois falava com palavras obscuras envoltas em mistérios.

(Ham) - Ideia????? Mas eu tenho elas e estão todas em minha cabeça. Como esperá-las do mar?

O velho, um pouco ofendido, não pela grosseria de minhas palavras, mas pela ignorância de minha postura me respondeu.

(OldMan) - Você não possui as Ideias, elas que possuem você. Elas chegam silenciosamente imersas no turbilhão caótico e, quando você se dá conta, elas dominam seus pensamentos e cavalgam montadas neles. Nesse momento há duas opções, ou provocar uma rebelião do pensamento contra a Ideia e assassiná-la ou permitir que ela se apodere de seus pensamentos organizando-os em puro ato criativo. Acumulei muita sabedoria durante toda minha vida, porém, para me igualar aos deuses, necessito que a Ideia chegue até mim e organize todo esse conhecimento para que eu me torne criador de minha própria realidade. Observe o mar...

Apontou com o dedo indicador em direção a ele e eu, fascinando com suas palavras, obedeci.

(OldMan) - Nessa perspectiva que estamos só conseguimos enxergar a superfície do mar, não vemos o turbilhão caótico que sustenta essa superfície.

Minha atenção foi totalmente tomada e meus pensamentos, automaticamente, se curvaram diante do silêncio, apenas escutava o som do mar, e esse era o único som que alcançava meus ouvidos, toda a natureza estava em silêncio e, nesse momento, no alto mar, uma mulher emergiu e vinha caminhando sobre as águas com muita suavidade, com muita calma, o mundo ao meu redor se transformava infinitas vezes e todas as possibilidades de mundo se misturavam. De fato, algo extraordinário estava acontecendo. Ela se aproximou e se manteve face a face, despiu as poucas vestes que cobriam seu corpo e aproximou seus lábios ao meu ouvido e disse: "Meu nome é Ideia, deixe-me seduzi-lo e governar seus pensamentos e então, voará com asas de metal". Depois disso mil realidades passaram diante dos meus olhos e tudo retornou ao seu devido lugar, outras sonoridades acompanhavam o som do mar, porém, já era noite e quando olhei para o lado o homem velho tinha partido e deduzi que ele havia retornado para sua casa.   

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