terça-feira, 27 de abril de 2010

- Confrontando Antigos Monstros -


Terminada a guerra em meio à tempestades, a cidade se reestruturava, casas e vidas eram reerguidas do pó e da tristeza que havia sobrado, migalhas, meramente migalhas de vida, mas o bastante para levantar o rosto e contemplar a nova aurora de insondáveis dias que se acrescentarão na vida dessas pessoas que sobreviveram a horrores. Almas destemidas, corajosas, caridosas e cruéis quando necessário.
As águas de um riacho que ficava próximo à cidade começaram a se agitar, vi muitas pessoas correndo e carregando em seus ombros corpos não vivos.
(AM)- O que está acontecendo? Pergunto a um camponês que expele sangue pelas mãos, olhos e pés.
(CAM)- A criatura ressurgiu, o príncipe das moscas e animais devoradores de carniça, devoradores de tudo o que está putrefado, saiu do reino obscuro da morte e diz desejar sangue quente, fluente como o fluxo do “devir”.
Disparei – me apressadamente para o riacho, espinhos e pedras pontiagudas opunham – se a mim no caminho. Os caminhos desse lugar sempre são difíceis, furam nossos pés, mas fortalecem nossas pernas. O riacho está a minha frente, e vejo erguer-se da água uma imensa criatura de duas cabeças, em uma estava escrito: “coitado de mim”, e na outra “tudo posso”. Eu havia escutado uma lenda, muito antiga, que dizia haver uma criatura de duas cabeças que conquistava e devorava os mais destemidos guerreiros, homens invencíveis, Heróis, Deuses, todos eram devorados. Mas, como que tais homens podiam ser tão facilmente devorados por tal criatura? “coitado de mim”, diz com suave voz a primeira cabeça, grandes homens são misericordiosos, tem compaixão dos mais fracos, e esse é um erro fatal numa batalha, pois a medida em que “coitado de mim” convence o guerreiro, e este, comovido, baixa a guarda, “tudo posso”, com sua boca salivante de veneno e cheia de dentes, devora aqueles que o desafiam com um só golpe.
“Tudo posso” é violência, força, agressividade e aniquilamento em um instante, “coitado de mim” é retórica, língua afiada e persuasiva, convence a todos com seu discurso de miséria.
A criatura olhou – me com os olhos de “coitado de mim”, um olhar que perfura a alma, toque de flauta que encanta e iludi o íntimo do coração, guiando para o abismo.
(AM) - conheço sua lenda criatura bicéfala, não me enganará, sei que sua outra língua, guardada na outra boca, é cheia de veneno.
(C)-Você é astuto, homem de asas de metal, mas sua astúcia não é capaz de levá-lo muito adiante do fracasso que é a sua miserável vida, você, ainda chora pelos cantos procurando socorro, não é capaz de ter vontade própria, alma decadente.
(AM) - cale-se!!!!!!!!!!!!!
(AM) - da sua boca saem palavras venenosas que penetram em meu coração e fazem minhas pernas tremerem.
(C) - O que foi? Por que se incomoda? Que ferida é essa sangrando em seu coração? Em? Você não é muito mais do que um “menino chorão”.
(AM) - você nada sabe sobre mim, destruirei você e farei com que engula a própria língua. Criatura venenosa!!!! Provará do seu veneno!!!!!
( C)- sei muito a seu respeito. Essas asas de metal? Sabe como as conseguiu? Eu que as coloquei em você.
(AM)- O quê? Esse é mais um de seus venenos?
( C)- Lembra – se da cidade onde morava? Que foi destruída por várias criaturas ansiosas por sangue humano? Pois bem, eu estava lá... lembro de um garotinho, chorando, assustado, com muito medo, iria devorá-lo de uma vez só, crianças possuem um sabor mais puro, uma carne mais macia, mas quando aquela criança, chorando aos prantos me viu, disparou a correr. Persegui devagar, gosto de ver o desespero nos olhos de minhas vítimas, assim como vejo em você agora, o menino corria e eu me divertia com o seu desespero, o seu espanto diante da morte que se aproximava, nessa hora sua vida estava sob meu poder. Pensei em diversas formas de devorar-te, mas decidi parti-lo em dois para saboreá-lo com minhas duas bocas, mas quando o peguei, uma lança veio do céu e feriu-me a língua, e um guerreiro mitológico segurou-me o pescoço enquanto você corria, mas exalei meu veneno e cuspi em suas costas, você jamais conseguiria correr como daquela forma, jamais iria caminhar com as próprias pernas, seria humilhado por todos por ter asas tão pesadas, que o tornariam inútil. Vou devorar-lhe agora, menino chorão.
Um ódio terrível se apossou do meu coração naquela hora, bati minhas asas de metal como nunca havia feito antes, voei, e do alto dos céus produzi uma tempestade de furacões e tornados que, devida tão imensa força, lançou a criatura para longe. Mas antes de ser lançada pelos ares ela disse.
- Não imaginava que aquele menino seria capaz de voar tão com “asas de metal”.
Senti – me exausto, dormi um dia e uma noite à beira do riacho velado por uma luz que me aparecia em sonho e me chamava.

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