quinta-feira, 18 de novembro de 2010

- O Templo de Zeus -


O guerreiro, sem nome e errante, eternamente pecador, viu que a imagem do homem de asas de metal vista no espelho desaparecera e, em seu lugar, surgiu a imagem de umas ruínas muito antigas, pareciam templos consagrados há muito tempo abandonados. Esses templos eram sustentados por colunas de concreto que se estendiam para próximo do céu demarcado por sua vista.


“Curiosa imagem” – pensou ele – “curioso espelho” – pensou segundos depois. O espelho então começou a enlanguescer – se, esticou o quanto foi possível e necessário para cobrir todo o horizonte e, como num abraço, envolver completamente o viajante em sua realidade.

Sentiu-se confuso, nunca havia acontecido em sua vida tantos acontecimentos fantásticos em tão pouco tempo. Buscou em sua memória, tão vaga, tão pouca, o instante em que tudo isso havia começado. Remeteu-se então a um momento em que caminhava por um caminho tomado pelas correntezas de um rio e que seus pés afundavam e se prendiam na lama. Lembrou-se disso e seu coração encheu-se de tristeza. Deixou então sua memória conduzir seus pensamentos e viu que a imagem de uma serpente alada pairava em sua cabeça, disso jamais se esquecera, como poderia, impossível esquecer. Deu-se conta então que todos esses acontecimentos súbitos tiveram sua origem ali, diante daquela serpente alada que lhe dizia que a vida é um instante de raio na imensidão do céu.

Lembrou-se que não havia entendido nada e desde então havia decidido compreender tais palavras. Perseguia suas ideias que lhe escapavam como borboletas e, ao partir em busca delas, viu muitas coisas e conheceu muitas pessoas. Lembrou-se do homem com cabeça de leão que lhe disse para que não se envergonhasse de quem ele é, da mulher presa na rosa que abandonou sua permanente beleza para lançar-se mundo afora disposta a deixar que seu coração seja marcado por cicatrizes e costurado com linha e agulha quantas vezes fosse necessário, lembrou – se também de um filósofo que lhe presenteou com uma pedra filosofal e que a partir disso havia chegado até ali, diante do espelho, e visto um homem de asas de metal que repetia os mesmos movimentos que ele. Lembrou que já havia visto esse homem voando e decidiu que um dia também seria capaz de voar com asas de metal.

Parou, caiu de joelhos diante daquele templo e derramou lágrimas, surpreendeu-se, pois nunca havia antes chorado tão verdadeiramente quanto naquele momento, orgulhou-se de ser capaz de chorar, orgulhou-se de ter vivenciado o inimaginável fantástico da vida. Chorou verdadeiramente, pois se emocionava ao olhar para si mesmo, não era mais tão covarde quanto antes, mas também não era totalmente corajoso. A covardia sempre acompanha o homem, e até mesmo aos grandes heróis. A coragem é um anjo que pousa em nossos ombros, a covardia, um outro que se apoia em nossos calcanhares.

Nesse momento uma moça passava por ali, carregava ela em seus braços algumas ervas e, atravessando seu corpo, pendia um cantil com água. Comoveu-se ao ver um homem, já feito, chorando daquela maneira. Ficou preocupada e, com cautela, se aproximou.

- Está tudo bem com você? Perguntou a moça.

- Embora minha aparência não demonstre – disse ele – Nunca me senti tão feliz em toda minha vida.

- Feliz??? A moça nada compreendeu, achou tal homem muito esquisito, perdido ali, caído de joelhos e chorando. Talvez estivesse louvando ao deus do templo por alguma dádiva. Bom, decidiu não fazer muitas perguntas e confiar em sua hipótese. Pensou então em convidá-lo para entrar no templo.

- Venha – disse a moça delicadamente – você deve estar muito cansado, entre um pouco no templo comigo e descanse.

Ele concordou, decidiu entrar, mas não por curiosidade.... tá, estava um pouco curioso sim. Decidiu entrar.... mas não por querer descansar, um guerreiro nunca descansa..... tá, isso é bobagem, todo guerreiro necessita de descanso e ele não era uma exceção à regra. Mas, por que então decidiu entrar, se não eram estes nenhum dos motivos pelo qual decidira entrar? Estava ele aprendendo a ouvir o próprio coração e sabia que se dissesse para si mesmo que esses eram os motivos, estaria mentindo para si mesmo. Entrou, mas sabia o que o movia, a vida é um instante de raio, e viu-se encantado pela moça, talvez nunca a veria novamente, talvez, se não entrasse, nunca iria nem ao menos saber seu nome. Entrou convicto.

Caminhou olhando discretamente a moça, não sabia o que dizer, nunca seu coração havia se sentido daquele maneira, então, como se comportar?

- Qual o seu nome? Perguntou ele para a moça.

- Já tive uma “multidão” de nomes, pois a cada momento me sinto diferente, a cada momento escolho um nome que me caracteriza. E, agora, chamo-me Morgana.

- Morgana.... bonito nome..... significa o que? Alguma divindade? Disse ele com segundas intenções.

- Como sabe?

- Sei lá.... sabendo.... - ficou meio sem graça, mas continuou a falar mesmo assim – pois você é tão linda quanto e por isso pensei comigo: ela tão linda desse jeito, tipo..... sendo senhora dos seus nomes..... por que não escolheria se chamar como uma deusa bem bonita?.....

Ela percebeu que ele estava tentando ser “galante”, mas avisou logo.

- Aqui sirvo aos deuses.... – disse ela mas, no silêncio de seus pensamentos, escutou seu coração lhe dizer: poderia ser de outra maneira. Que tolice, reprimiu-se a si mesma, escolhi servir aos deuses, devo afastar tais pensamentos.

- E você, qual o seu nome? – perguntou ela querendo disfarçar para si mesma a voz que ouvira de seu coração.

- Boa pergunta... não sei qual o meu nome.... não me lembro de muito coisa sobre mim....

Ambos ficaram em silêncio por alguns instantes.

- Tive uma ideia!!! Disse ele.

- Qual?

- Você, com toda essa sua graciosidade, pode me dar um nome.

- Eu? Como assim?

- Vai lá, confio em você.

Morgana pensou, pensou um pouco mais, olhou para o rosto dele, analisou um pouco, pensou um pouco mais e concluiu.

- Héracles, vou te chamar assim. Pode ser?

- É.... – torceu um pouco o nariz – esperava um melhorzinho, mas, por ter sido você, será uma honra ser chamado por esse nome.

Caminharam mais um pouco e ele decidiu perguntar para ela a qual deus pertencia aquele templo.

- Esse templo pertence à Zeus, o maior de todos os deuses, quer que eu te conte um pouco sobre sua história.

- Gostaria sim, será um prazer lhe ouvir.

- No início existia somente o Caos e dele nasceu Gaia, a mãe de todas as coisas. Gaia vivia só e lamentava-se pelo fato de sentir sua fertilidade e não poder fazer surgir vida dela mesma, uniu todas as suas forças e gerou de si Urano para ser seu consorte e amante. Tiveram alguns filhos, mas Urano, temendo ser derrubado por seus filhos, os lançou para as profundezas da terra. Gaia ficou triste, sentiu raiva de Urano, como ele podia ter feito aquilo com seus filhos. Planejou então vingar-se. Necessitava de alguém dentre seus filhos que fosse forte o suficiente para derrubá-lo, para isso tomou a frente Cronos, que, com uma arma fornecida por sua mãe, castra seu pai Urano. Sem o falo, Urano perde seu poder e é separado de Gaia tornando-se o céu. Agora, a única forma de fecundar Gaia é através das chuvas que derrama sobre ela. Cronos, o tempo devorador, se fortaleceu e teve alguns filhos, mas temendo ter o mesmo fim que seu pai,  os devorava. Porém um deles Gaia conseguiu salvar escondendo-o, e este era Zeus. Ele cresceu e se tornou forte o suficiente para matar seu pai, Cronos, e, ao fazê-lo, tornou-se o senhor de todas as divindades e portador dos raios e trovões do céu e seus filhos eram deuses.

Ele, ao ouvir, ficou fascinado por aquela história e, ao pensar sobre ela, compreendeu algo que tornava mais claro o que a serpente lhe dissera antes sobre a vida como instante de raio: Zeus, o senhor dos raios, matou Cronos, o tempo devorador. Aí está a metáfora, pensou ele, interprete quem puder.

Morgana percebeu nos olhos do viajante certo fascínio, algo da história que contara havia ressoado em seu interior. Os olhos dele brilharam e pode ouvir uma canção repleta de paixão e desejo, por ela e também pela vida. Sentiu vontade de, naquele momento, entregar-se a ele. Mas, não, como ousava pensar tais coisas, como ousava sentir tais coisas, havia ela jurado ser somente amante dos deuses. Mas pensou e escutou a alma dele falar por meio da canção, ele era um viajante, buscava um conhecimento que não se ensina, mas é escrito e marcado no corpo por uma força poderosa e conhecida, mas, quando se pergunta sobre “o que é essa força”, não mais a conhecemos. Força selvagem e indomável.

Sabia que a alma dele era capaz de sacudir o mundo em busca do que almejara, pois a vida é um instante de raio, e nada mais..... e nada menos..... Sabia ela que nunca mais o tornaria a vê-lo, trilhava uma jornada cujos caminhos ele mesmo deveria criar.

“Sua vida pode ser diferente....” escutou ela seu coração.

Héracles olhou para ela, mas os olhos de Morgana se desviaram do dele, então se lamentou e partiu. Triste por um lado, mas feliz por outro, pois, naquele momento esteve apaixonado e por isso tal momento valeu a pena. Caminhou alguns passos e, antes de sumir no horizonte, escutou um grito:

“ESPERE POR MIM!!!!!!!”

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