O guerreiro a ser constituído. cansado de sua última batalha contra os "mil deveres", luta longa da qual ainda não havia vencido a guerra por completo, senta-se em uma pedra rodeada de árvores de um bosque sombrio. Limpa o suor e as lágrimas de seu rosto com a manga da camisa, fita as estrelas e percebe que uma nuvem cinza e escura, da cor de seu cansaço, devora-lhes o brilho.
- É... vai chover... pelos menos minha alma será purificada de seus pecados ao ser lavada pelo choro dos deuses. Mas, meu corpo, encharcar-se-á e se tornará uma estátua de gelo.
Olhou atentamente as nuvens esperando a chuva que não vinha. Olhou para o solo sob seus pés e perdeu-se em pensamentos...
Assobio... assobio... assobio... três vezes assobio, três vezes calafrio, três vezes arrepio subindo pelas costas à nuca... três, que é metade de seis e que mais três são nove... nove esferas e no oceano de meus pensamentos sobe uma e desce e aparece o velho muito velho. Milênios navegando no oceano, milênios lendo nas entrelinhas de cada onda. Durante todos os anos de sua navegação seu bote nunca virou e nem fora engolido pelo mar.
Caminhou lentamente arrastando os pés, olhos nos olhos e o guerreiro a ser constituído viu a si mesmo sentado e com frio na pedra e falou para si mesmo:
- Você espera a chuva para se purificar, mas é o raio quem governa todas as coisas, o instante de raio que parte e reparte cada um em dois e depois, o dois, volta a ser um, porém ora do avesso, ora de ponta cabeça.
Jovem e velho, respiravam o mesmo ar e contemplavam a mesma serenidade e silêncio quando o raio partiu o chão diante deles separando-os por um abismo. Agora, o aperto de mão entre eles jamais aconteceria, tudo se dá pelo olhar e pela fala, mas, não mais pelo calor do abraço que nunca aconteceu e nunca acontecerá.
- O que você viu do raio, guerreiro a ser constituído? - Perguntou-lhe o velho muito velho.
- Intensidade, brilho e força, o instante é único e finito e deve ser aproveitado, pois acaba. Assim, viver intensamente.
- Ora ora, guerreiro a ser constituído, sua perspectiva ainda se equipara a de adolescentes que acreditam em fantasias. Você viu apenas o brilho externo do raio, eu, ao contrário, vi dentro do raio, vi criação e construção, homens construindo pirâmides e fazendo-se paredes.
O clarão passou, o guerreiro a ser constituído desapareceu, e o velho muito velho, que ainda esperava pela chuva imerso em seu oceano de pensamentos, pôs-se em direção a mais um combate de sua milenar guerra... a guerra contra os "mil deveres".
Na verdade o instante é eterno, mas o instante de raio é um tipo de instante, que é a destruição que separa em dois, faz confrontar e cria incandescência.
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