sexta-feira, 14 de abril de 2017

- A descida aos mil infernos -



Judas, após sua grande missão na terra, de entregar o cordeiro ao sacrifício no alto da montanha para a proliferação do sumo saber, desceu aos mil infernos de sua dor. Mesmo consciente de sua tarefa, entregar o mestre aos assassinos é, talvez, a pior atitude justa a ser feita. De fato, justiça não rima com felicidade, mas sim com uma frieza na qual o gelo é somente a pele que envolve o calor do coração.
Judas, assim, com suas pernas fortalecidas, caminhou infinitas léguas pelos mil infernos. Em sua jornada viu seus cabelos caírem, viu sua barriga crescer e diminuir insondáveis vezes, sentiu seu corpo coçar de alergias de ventos que cortavam-lhe a pele. Viu sua barba embranquecer-se... encontrou, nos mil infernos, saber da dor e, do saber da dor, angústia. Tornou-se um errante acertante, pois colocar-se no suplício dos mil infernos é, para muitos olhos voadores que observam das alturas, loucura e desmedida. Mas Judas compreende a medida de todas as medidas, os maiores e mais límpidos céus posicionam-se para além do cinza das tempestades.
Dessa forma, o mais errante de todos os homens da terra defronta com os limites do inferno e, nesse limite, há um imenso portal escrito "Desespero". Judas, que já perdeu todos os enunciados que dão forma ao seu corpo, todos os dentes e todos os fios de cabelo, atravessa o portal e se vê diante do mais profundo dos abismos. Fantasmas voam ao redor de seus olhos, então os fecha e avista os mesmos fantasmas em sua mente. Os fantasmas dizem "dever", "dever", mil vezes "dever", um "dever" para cada inferno. Açoitam seu corpo e o enrolam em fitas métricas, pois cada medida do corpo é um número indivisível. Porém Judas simplesmente "ri", pois está transfigurado. Seu sorriso dissolve seu corpo em terra, água, ar e fogo. Judas é todo physis, se revela e vigora no real. As fitas métricas, que perpassam seu corpo, abraçam o vácuo e Judas, com pés elementares, caminha sobre o ar do abismo e já não tem mais nome. "Com esse riso, me tornei estranho a mim mesmo". 

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