sábado, 22 de abril de 2017

- Da crença saudável -



Tudo o que faço por agora é sempre crendo que serei para o adiante. Não vivemos nunca cada instante como se fosse o último, sempre vivemos para a espera, pois acreditamos na construção diária e que tudo se soma, dia após dia. A crença de que os dias se seguem e, com eles, nós ad infinitun. Tentei agarrar aquilo que devém, mas o mundo se dissolveu e o homem, que acreditava-se salvar o mundo e deixar um legado para a humanidade quando consumasse sua vida reunindo, em um cortar do céu por um raio, todas as coisas e tijolos para o que adviria em seu "evangelho", dissolveu-se com o mundo que construiu em sua fé. Vivemos, não como se o dia de hoje fosse o último, mas sim pela fé na nossa imortalidade carnal... que é finita e, quando jovem, beira e beija mais proximamente a imortalidade.
Acredito que salvarei o mundo para algumas pessoas... mas meu esclarecimento diz que minha fé é apenas sangue para minhas pernas. Peregrinar é o que dá sentido à vida que é possibilidade de dissolução.

sexta-feira, 14 de abril de 2017

- A descida aos mil infernos -



Judas, após sua grande missão na terra, de entregar o cordeiro ao sacrifício no alto da montanha para a proliferação do sumo saber, desceu aos mil infernos de sua dor. Mesmo consciente de sua tarefa, entregar o mestre aos assassinos é, talvez, a pior atitude justa a ser feita. De fato, justiça não rima com felicidade, mas sim com uma frieza na qual o gelo é somente a pele que envolve o calor do coração.
Judas, assim, com suas pernas fortalecidas, caminhou infinitas léguas pelos mil infernos. Em sua jornada viu seus cabelos caírem, viu sua barriga crescer e diminuir insondáveis vezes, sentiu seu corpo coçar de alergias de ventos que cortavam-lhe a pele. Viu sua barba embranquecer-se... encontrou, nos mil infernos, saber da dor e, do saber da dor, angústia. Tornou-se um errante acertante, pois colocar-se no suplício dos mil infernos é, para muitos olhos voadores que observam das alturas, loucura e desmedida. Mas Judas compreende a medida de todas as medidas, os maiores e mais límpidos céus posicionam-se para além do cinza das tempestades.
Dessa forma, o mais errante de todos os homens da terra defronta com os limites do inferno e, nesse limite, há um imenso portal escrito "Desespero". Judas, que já perdeu todos os enunciados que dão forma ao seu corpo, todos os dentes e todos os fios de cabelo, atravessa o portal e se vê diante do mais profundo dos abismos. Fantasmas voam ao redor de seus olhos, então os fecha e avista os mesmos fantasmas em sua mente. Os fantasmas dizem "dever", "dever", mil vezes "dever", um "dever" para cada inferno. Açoitam seu corpo e o enrolam em fitas métricas, pois cada medida do corpo é um número indivisível. Porém Judas simplesmente "ri", pois está transfigurado. Seu sorriso dissolve seu corpo em terra, água, ar e fogo. Judas é todo physis, se revela e vigora no real. As fitas métricas, que perpassam seu corpo, abraçam o vácuo e Judas, com pés elementares, caminha sobre o ar do abismo e já não tem mais nome. "Com esse riso, me tornei estranho a mim mesmo". 

quinta-feira, 13 de abril de 2017

- O Caminho que vos ensino -



Vim, a todos os homens dessa terra, mostrar-lhes o caminho... o meu caminho do qual todos devem seguir. Este se resume em poucas palavras à "sustente-se sobre tuas pernas e caminhe pisando sobre seus próprios passos". Se seguir o meu caminho nunca irá me encontrar, porém não se sinta perdido e desconsolado, mas sim heroico e bem aventurado.
"Não era para você estar aqui e nem é bem vindo nesta casa, erga, para ti mesmo, tua própria habitação e carregue-a sobre teus ombros".
"Não carregue, jamais, em vossos ombros habitações alheias, pois teus telhados se romperão e seus braços não alcançarão o finito céu".
A ruptura é sempre estranha, pois junto do desejo de não-ser-mais, de devir adiante andante, a saudade e a falta daquilo que não se quer permanece. Permanece como um mundo que se dissolve e que nunca mais se verá. "Saudade do que não se quer mais é, talvez, a mais estranha das saudades".
"Reconhecer a própria altura não significa arrogância se vier acompanhada da distância virtual do quanto melhor precisa ser".
"Esse é o meu caminho, meus passos, e aqueles que os seguem jamais me encontrarão".

quinta-feira, 6 de abril de 2017

- Do nascimento dos deuses -



Das paixões nascem os deuses de som e tinta e estes, por sua vez, fecham-se em círculos eternos de ouro que a tudo domina e devasta.