Medusa olhava o céu estrelado a noite, contava as estrelas e desenhava constelações. Gostava de admirar tal abóboda pois lhe disseram que ali vivam os deuses, cruzando o imenso espaço escuro acima da existência dos mortais. Mas esse era um dia aguardado por ela, pois os deuses banqueteariam no salão real de sua família. O dia da descida dos deuses. Uma estrela cruzou o céu, rápido como um relâmpago e logo se apagou fazendo-a se lembrar de que, quando criança, havia se apaixonado pelo seu melhor amigo que, diante de uma mesma estrela cadente, havia prometido a ela sempre proteger e cuidar.
Os deuses desciam do céu um a um, porém, das profundezas do oceano, Posseidon emergia, onipotente, forte com olhar impetuoso. Posseidon, não só deus dos mares como também dos cavalos selvagens. Posseidon, o animalesco. Sua brutalidade atraía o olhar de muitas mortais, mas também de deusas, mas também, de sua sobrinha, Atena. Atena, com todo seu aspecto intelectual e vocabulário erudito, não conseguia atrair o interesse daquele que é pura selvageria, onda devastadora. Posseidon, do contrário, quer aquilo que lhe escapa, Medusa, jovem garota, que guarda no seu coração a memória de seu amigo, é fascinada pela imagem que possui dos deuses, mas não os conhece de fato. "Os deuses estão acima da maldade e dos impulsos carnais, os deuses são bondosos e justos", pensava ela.
Posseidon, do contrário, era pura luxúria animalesca, tudo o que quer, toma para si e com Medusa não foi diferente. A moça, indiferente às suas estratégias de sedução foi agarrada pelos braços fortes do deus que a jogou no chão frio de mármore e, diante de todos os olhares, rasgou suas roupas e a violentou ali mesmo. Houve espanto, susto, indignação, comentários sob cochichos que falavam da perversão de Medusa ao seduzir um deus. Todos assistiram ao espetáculo. Envergonhada e desapontada com os deuses e com os comentários dos humanos, medusa correu para o mesmo local onde antes fitava as estrelas e desenhava constelações.
Ouviu, de repente, passos leves se aproximando, sentiu medo, mas era apenas Atena, a deusa da sabedoria. Mantiveram-se em silêncio, uma olhando a outra. O olhar de Atena, frio devido a sua racionalidade, transmitia segurança para Medusa, que deixou-se confortar. Mas a frieza, na maioria das vezes, mascara o fogo que arde nas entranhas. O fogo do ódio e da inveja. Atena, a intelectual, fria e calculista, preterida pelo deus diante de uma mortal, aplicou sua tecnologia sobre Medusa alterando seu DNA. Seus fios de cabelo se transformaram em cobras e seu rosto desfigurado em uma imagem repugnante. A pior das maldades é aquela que é feita de forma medida, racional e calculada.
O amigo de Medusa dormia em seu quarto quando acordou com a voz desesperada daquela que jurou cuidar e proteger. Saiu subitamente para encontrá-la. Ao se deparar com a figura monstruosa, pensou tratar-se de um truque, pois a sua Medusa era bela e não uma criatura horrenda. "Olhe nos meus olhos e me reconhecerás, sou eu, sua Medusa". O rapaz, desconfiado, viu que a criatura não expressava perigo, sentiu que podia confiar, aproximou-se e a encarou. "Vê, me reconhece? Sou eu, Atena fez...". Suas palavras, então, foram cortadas diante do espanto. A retina de seu amigo escureceu em um cinza cor de tempestade. Logo, todo o olho se petrificou. O rapaz não mais se moveu, como uma presa diante de uma serpente. Seus braços, pernas e pescoço foram ficando imóveis. Tentou gritar diante da dor da paralisia, mas suas cordas vocais já haviam se transformado em pedra.
Medusa tocou o rosto daquilo que agora era uma mera estátua, sem coração, sem sangue correndo nas veias. Suas mãos eram frias, o calor de outrora se extinguiu. Medusa agora é só desespero, vontade de morrer, navio naufragado em um mar de lágrimas. "Assim são os deuses e também suas criaturas, os homens", pensou Medusa. A maldade está para além da inteligência. A inteligência e a brutalidade, pares aparentemente opostos que são apenas instrumentos do terror.