sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

- Ópio do povo e liberação do espírito -


Conversava com meu Demônio na hora mais solitária e silenciosa da noite quando, na janela do quarto, uma ninfa fantasmagórica apareceu. Ela não trouxe consigo uma carruagem tal como a que guiou Parmênides para encontrar-se com a verdade. Ao contrário, me trouxe a promessa de um futuro.

O Demônio, que revirava minha dor com seu tridente, me forçou a questionar o que era essa realidade. Será este futuro, esta ninfa, essa visão, reais? Voltando-se à janela, a ninfa havia dispersado no vazio do tempo juntamente com a visão do futuro, repousando em um "mais adiante". Assim, tudo o que há entre eu e o futuro é, absolutamente, nada, vazio. Não há uma estrada, mas apenas visão, fantasia, ilusão. Coisas as quais são impossíveis de serem agarradas.

Quando o tridente diabólico fisgou a vitalidade adoecida do espírito, percebi que um vapor expelido alimentava as fantasias mas, quando olhava para elas, o futuro e a ninfa, esquecia da dor e da enfermidade. Assim, realidade suspensa, dissimulada nas brumas de um paganismo oracular. No Demônio reina a sinceridade, por essa razão é tão odiado, pois ataca nossas convicções:

"O Médico não pode exercer sua função se não existir o doente, o padre não pode salvar almas sem o pecado. A cura é o niilismo para o médico. Assim, alimentar a dor e o sofrimento aprisionando o doente  naquilo que ele chama de liberdade é o poder e a razão de existir de uma tal medicina".