O guerreiro permanecia no chão, derrotado, sangrando e chorando. Lágrimas pela tentativa frustrada, sangue... por passos de vontade. Fechou o punho e golpeou o chão ao qual mantinha o rosto próximo e lembrou-se de algo que um antigo rei lhe dissera antes que partisse para sua busca pessoal: “Caiam mil homens à tua esquerda e dez mil à tua direita, tu não serás atingido” (Salmos 91:7) “porque aos seus anjos ele mandou que te guardem em todos os teus caminhos” (Salmos 91:11).
Por um instante lembrou-se dessas palavras e amaldiçoou o velho rei, ele de nada sabia, nada alem de vislumbres fantasiosos e delírios. “Velho tolo...” pensou com o coração rasgado por uma lança, “morra de vez para o mundo e se perca em suas crenças... e que a terra cubra teu corpo e sua alma se perca no mais longínquo céu de vazio...”
Decidira então entregar-se à morte, mas vale isso para um guerreiro do que uma vida desonrada e manchada pela derrota. Havia percebido que atirara uma lança com os olhos vendados e esta alcançou o alvo, seu próprio espírito.
“O que fazes aí, largado às areias levadas pelo vento que a tudo arrastam para a indiferença?”
O guerreiro, estranhando ter escutado uma voz em meio à morada da solidão, ergueu os ouvidos e os olhos procurando por alguém, mas se deu conta de que ainda estava sozinho, não havia naquele lugar ninguém alem de si mesmo.
“você está vivo, não está?”
Embora fosse doloroso admitir, sim, ainda permanecia vivo, essa era uma de suas qualidades, teimosia, teimosia até mesmo para a morte.
“Quem perturba minha vergonha com tais palavras? Responda? Mostre tua face... ou será que nem disso mais sou digno?”
“Você está vivo, não está?” Tornou novamente a voz a questioná-lo.
“DESAPAREÇA DOS MEUS PENSAMENTOOOOOOOOS!!!!!!!!!!” Gritou o guerreiro.
“Responda minha pergunta!!!” Exclamou a voz com um tom mais severo.
“Sim... estou... mas... em que condições... olhe para mim e responda!!!”
“Em condições suficientes para prosseguir em tua busca.” Retornou a voz, e depois disso se foi ou apenas permaneceu em silêncio, pois os lábios que pronunciaram tais palavras nunca foram vistos.
“Sim, estou vivo.” Disse a si mesmo o guerreiro retirando do espírito a lança com a qual havia se ferido. Pôs-se então de pé, havia diante de si uma imensa montanha a qual devia escalar cujo cume tocava o céu. Começou a subir e, em seus pensamentos, pedia perdão ao velho rei guardando novamente as palavras que lhe foram dadas junto aos tesouros de sua alma.
“A vida passa e a tudo arrasta, nos arrasta, é preciso fazer o fluxo parar e correr na direção que quisermos... a vida não mais me arrasta, mas dito a ela os fluxos de minha vontade”
Subiu, subiu tão alto que pôde tocar os céus e com ambas as mãos segurou por um instante o mundo e este multiplicou-se tornando-se vários mundos, fitou o horizonte, escuro pelas nuvens de tempestade, encheu seus pulmões com palavras que saíram por sua boca despedaçando tudo o que não mais suportava e pôde-se ouvir a quilômetros e quilômetros de distância a palavra “LIBERDADE”. Então, feito isso, um trovão cortou o céu e lhe mostrou a direção de mundo à qual decidira percorrer.