quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

- Tomando para si a própria vida -




O guerreiro permanecia no chão, derrotado, sangrando e chorando. Lágrimas pela tentativa frustrada, sangue... por passos de vontade. Fechou o punho e golpeou o chão ao qual mantinha o rosto próximo e lembrou-se de algo que um antigo rei lhe dissera antes que partisse para sua busca pessoal: “Caiam mil homens à tua esquerda e dez mil à tua direita, tu não serás atingido” (Salmos 91:7) “porque aos seus anjos ele mandou que te guardem em todos os teus caminhos” (Salmos 91:11).

Por um instante lembrou-se dessas palavras e amaldiçoou o velho rei, ele de nada sabia, nada alem de vislumbres fantasiosos e delírios. “Velho tolo...” pensou com o coração rasgado por uma lança, “morra de vez para o mundo e se perca em suas crenças... e que a terra cubra teu corpo e sua alma se perca no mais longínquo céu de vazio...”

Decidira então entregar-se à morte, mas vale isso para um guerreiro do que uma vida desonrada e manchada pela derrota. Havia percebido que atirara uma lança com os olhos vendados e esta alcançou o alvo, seu próprio espírito.

“O que fazes aí, largado às areias levadas pelo vento que a tudo arrastam para a indiferença?”

O guerreiro, estranhando ter escutado uma voz em meio à morada da solidão, ergueu os ouvidos e os olhos procurando por alguém, mas se deu conta de que ainda estava sozinho, não havia naquele lugar ninguém alem de si mesmo.

“você está vivo, não está?”

Embora fosse doloroso admitir, sim, ainda permanecia vivo, essa era uma de suas qualidades, teimosia, teimosia até mesmo para a morte.

“Quem perturba minha vergonha com tais palavras? Responda? Mostre tua face... ou será que nem disso mais sou digno?”

“Você está vivo, não está?” Tornou novamente a voz a questioná-lo.

“DESAPAREÇA DOS MEUS PENSAMENTOOOOOOOOS!!!!!!!!!!” Gritou o guerreiro.

“Responda minha pergunta!!!” Exclamou a voz com um tom mais severo.

“Sim... estou... mas... em que condições... olhe para mim e responda!!!”

“Em condições suficientes para prosseguir em tua busca.” Retornou a voz, e depois disso se foi ou apenas permaneceu em silêncio, pois os lábios que pronunciaram tais palavras nunca foram vistos.

“Sim, estou vivo.” Disse a si mesmo o guerreiro retirando do espírito a lança com a qual havia se ferido. Pôs-se então de pé, havia diante de si uma imensa montanha a qual devia escalar cujo cume tocava o céu. Começou a subir e, em seus pensamentos, pedia perdão ao velho rei guardando novamente as palavras que lhe foram dadas junto aos tesouros de sua alma.

“A vida passa e a tudo arrasta, nos arrasta, é preciso fazer o fluxo parar e correr na direção que quisermos... a vida não mais me arrasta, mas dito a ela os fluxos de minha vontade”

Subiu, subiu tão alto que pôde tocar os céus e com ambas as mãos segurou por um instante o mundo e este multiplicou-se tornando-se vários mundos, fitou o horizonte, escuro pelas nuvens de tempestade, encheu seus pulmões com palavras que saíram por sua boca despedaçando tudo o que não mais suportava e pôde-se ouvir a quilômetros e quilômetros de distância a palavra “LIBERDADE”. Então, feito isso, um trovão cortou o céu e lhe mostrou a direção de mundo à qual decidira percorrer.   

sábado, 17 de dezembro de 2011

- Acontecimento de alma -



Andava com passos serenos e suas palavras vieram como chuva inundando a alma, palavras que ganharam vida das páginas do livro e adquiriram liberdade voando e inundando almas. Depois que chegaram aos meus ouvidos minha alma nunca mais retornou ao mesmo tamanho e o mundo nunca mais foi o mesmo.

O que se esconde é o que de nós está mais próximo, aquilo que não vejo e nem compreendo vivencio e, na vivência, a alma acontece, se dilata e expande com o que o mundo nos alimenta.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

- Do amor ao mundo -


Em primeiro lugar ele amou o mundo e, por amar ao mundo, permitiu ser aprisionado e morto covardemente. Talvez este seja realmente o melhor de todos os mundos possíveis, mas largamos esse mundo fora e construímos morada em mundos miseráveis levantados por nossas mãos e pré-conceitos. Se banirmos o mundo real e também o mundo das aparências o que sobrará?
Apenas o mundo!!!!!

- Sobre a verdade -


De todos os tesouros a verdade é o mais precioso, porém, não a encontramos em nenhum lugar desse mundo. Então, com nossas lógicas e experimentos tentamos produzi-la, mas tudo o que temos é um falso ouro que aprisiona.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

- Estradas que passam ao lado de outras estradas -



O amor nos fortalece, fortifica nossas estruturas, transforma o olhar unilateral em multifocal. O amor nos ensina a escutar, a falar, compreender e também a chorar. O amor nos mostra que temos um coração e que este influencia diretamente em nossas atitudes, atitudes as vezes loucas, as vezes sensatas, mas sempre brandas. O amor é tudo o que transforma e constrói, mas a paixão é o que dá brilho às nossas vidas e a tudo o que fazemos.


Quando chove me distraio com coisas rotineiras e, por alguns momentos, esqueço da chuva. Mas quando saio pra fora e fico molhado, percebo que a chuva esfria o corpo ao escorrer no nosso rosto.

Não há nada no mundo semelhante a você. Não há nada no mundo semelhante a mim. Todos os caminhos são distintos, mas as vezes construímos estradas que passam ao lado de outras estradas.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

- À todos os heróis de pequenos e grandes feitos -



Seus olhos veêm alem de reflexos
Seus braços sustentam e criam novos mundos
Suas mãos esmagam pedras e quebram correntes.
Seus pés caminham sobre águas de um oceano em fúria.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

- Toda a mágica possivel -


Abri  a janela, você veio voando e pousou em meus pensamentos. Sua sombra provocou ruínas nos muros do meu coração. Escrevi um pedido num pedaço de papel, dobrei várias vezes para que se perdesse no infinito do silêncio da noite, atirei aos céus, mas o pedido se perdeu, voou e encontrou seu destino. E agora você está aqui. Para esse momento, quero toda a mágica possível.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

quinta-feira, 21 de julho de 2011

- O retorno das asas de metal -



Olhei ao longe e vi uma árvore, uma antiga árvore, parecia estar ali naquele horizonte há séculos. Minhas vistas de repente ofuscaram-se e senti necessidade de ir um pouco mais adiante. Quando se deseja saber alguma coisa é necessário se lançar no precipício e afundar no oceano. Aproximei – me e, no centro um pouco mais acima de seu tronco havia um círculo, mas, igualmente como minha vista, este permanecia ofuscado em sua própria natureza.


No mais profundo da escuridão do aprofundamento, a árvore, em sua realidade e também na minha, não mais era árvore, mas sim um antigo templo que insistia em permanecer coexistindo com toda a modernidade que havia ao seu redor. Curioso, caminhei ao seu redor para ver o que havia em seu interior. Uns dizem que não há nada mais profundo que a pele, eu, porém, sempre compartilhei da ideia de que o mais profundo é o interior, então, movido por essa convicção, procurei até encontrar uma porta. Simples porta. Seguindo meu desejo, empurrei e a abri. Entrei. E, ao passar pela porta, entrei eu mais duas pessoas que não havia me dado conta. Pude presenciar um culto primitivo que ainda se perpetuava, diante de um altar, um sacerdote e mais dois auxiliares executavam um ritual. Caminharam em nossa direção e fizeram símbolos em nossa testa e em nossa face, símbolos que, segundo eles, protegiam e abençoavam.

Depois disso saímos e, lembrando do semblante do sumo sacerdote do templo, pude o reconhecer e disse: “quem ainda está nesse templo é o Kelder”. Então minha mente entrou num estado de tempestade de memórias e de súbitos raciocínios, muita coisa passou a fazer sentido e senti ânsia de vômito que durou por todo um dia. De repente passei a amaldiçoar a benção que recebi e me senti adoecido, fraco, fracassado, todas aquelas imagens, a árvore, o templo, o sacerdote, ainda é ele, como pode? Benção? Maldição que me feriu na alma e que sangra sempre quando escorrego. Dor! O retorno da dor! Dor sempre retorna!

Nesse momento, negras e pesadas asas de metal surgiram novamente em minhas costas fazendo meus pés afundarem no chão e sangrarem. Há muito tempo havia aprendido a voar com elas e a voar sem precisar delas, mas, como tudo é um ciclo, tudo retorna, há menos que o ciclo seja desfeito.

sábado, 16 de julho de 2011

- As linhas do teu rosto -


Em uma das esquinas dessa vida me perdi em seus olhos. Você nem precisa me dizer nada, pois as palavras que leio em teus lábios quando sorri e em teus olhos quando me vê são muito claras. Por um momento me vi no céu, depois no mar... e depois deserto...


As linhas do seu rosto traçadas em minhas memórias tomam forma em qualquer horizonte, mas o tempo, mago velho, espalha com seu vento minhas lembranças assim como areia. Mas, as linhas do seu rosto... seu rosto... eu nunca esquecerei...

domingo, 10 de julho de 2011

- Desejo de fortalecimento -



O seu olhar me trouxe uma profunda lembrança. Lembrança de algo que nem me dava conta de ainda guardar em minha alma. Sempre soube que estava aqui, dentro de mim, em minhas mais antigas memórias já camufladas em sonhos destituídos de sentido. Sempre senti, nesse frio de inverno, ao ver as folhas das árvores secarem e caírem, a sensação de saudade de algo desconhecido.


Meu olhar fita teus olhos e os atravessa, lá há um mar e no horizonte cinzento sua alma caminha em meio à tempestades, dançando, fazendo malabarismos e piruetas. Sim, você resiste, suporta, cresce e se fortalece. Amarrei meus braços em minhas costas, quero ver como você luta, como você encara este desafio, como reage, como toma para si tua vida.

Não estou fugindo, apenas quero que te fortaleças.

domingo, 19 de junho de 2011

- Esfinge, da auto - devoração e auto - construção -



Há muito tempo humanidade mantinha-se perdida no deserto, buscava, a cada passo, a cada olhar, a cada estrela nova que aparecia no céu, uma trilha que levasse ao fim dessa longa peregrinação. O que busca um peregrino? Martiriza seus pés e espírito, flagela o corpo expondo-o ao sol sedento por beber seus raios e matar sua cede. Para que alimentar-se de luz? Ó humanidade, seu corpo é um abismo tomado pela escuridão e cada luz que se lança garganta adentro se perde em meio às trevas de seu ventre.


O que procura ver dentro de si está em seus próprios olhos, o que procura tocar e sentir já acaricia tua pele a todo o momento. Mas humanidade escolheu manter-se perdida e se perder a cada vez mais. No deserto, a pirâmide aponta para o céu, mas também sua base aponta para os quatro cantos da terra, no interior pode haver algum tesouro, mas provavelmente encontrará um cadáver.

É noite, noite estrelada do deserto, à sua frente um altar e, logo atrás, uma mulher com corpo de leão. Dizem que sabe de tudo, outros, que engana, outras ainda que ela devora homens. Mas, humanidade, solitária em seu desespero, decide correr o risco, pois havia transformado o mundo inteiro num imenso deserto em busca de sua autoconstrução e autocompreensão.

“Ó grandiosa Esfinge, vós que a muitos homens sábios mantém em seu ventre e com suas almas alimenta vossa sabedoria, vós, grandiosa e inabalável dos séculos e séculos digais-me: o que sou?”

“Não forneço verdades e nem esperanças, apenas direciono os passos daqueles que ampliam a estrada ao estremo destruindo todo o caminho tornando-o deserto. Não lhe devorarei, mas você mesmo é objeto de sua ruína e auto devoração, toda decadência é auto decadência, ocorre de dentro pra fora. Assim, pois vos digo humanidade, tua face é como um espelho, este nunca nos mostra como se é verdadeiramente, mas, em seu rosto, a metamorfose de imagens que reflete a cada raio de luz que o toca, portanto, nunca vemos a face do espelho e nem nos perguntamos sobre isso, pois aí está para nossos olhos o impossível, mas espelho assim o é para nós própria plenitude de ser espelho.”

Ao ouvir tais palavras, humanidade decidiu encerrar tal peregrinação e, das areias, fez surgir rios, dos rios, todo o tipo de vida, e percebeu que sempre esteve e pertenceu a si mesma independente do lugar.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

- Rastro de Perfume -



Você passou como o vento e deixou para mim seus rastros de perfume que envolveram minha alma. Agora, não mais sei onde estou. Paixão, carinho, calor, amor, amizade ganhando o mesmo corpo que parte ao encontro daquela que passou e deixou seus rastros de perfume, seus fragmentos de flor, sua doçura de sonho.


Corpo, dança, gesto e harmonia, desequilíbrio moderado, frio incendiado, fogo renovador.

A tudo o que é santo, a isto, que é o que há de mais santo.

terça-feira, 17 de maio de 2011

- Sobre a ditadura -


É estranho, mas agora, lembrando de minhas histórias, me dei conta de que todas as aventuras acontecem enquanto estou caminhando, pelo menos é assim que inicio quase sempre falando sobre as coisas que aprendi enquanto desbravava este obscuro mar que é o mundo. Essa história não se distingue muito das demais, sou cavaleiro andante e marginal, vivo às margens de minha própria vida, já fui muitas vezes a sorte de muitas pessoas, mas, não consigo ser minha própria sorte e nem permito que ninguém seja, pois, um guerreiro, orgulhoso como sou, deve ser capaz de salvar a própria vida...


... Mas, até agora me sinto ainda na margem, marginal, não conquistei esse território que é a minha vida...

Lancei-me para fora, a alma quando quer voa transcendendo os limites e entranhas do corpo, agarrei-me e puxei.... corporifiquei-me.... e vi que era bom....

.... mas, sou ainda marginal.....

Ó divindade, sacrifico todo dia meu sangue para vós....

Porém, hoje decidi beber do meu próprio sangue....

....e você me lançou no inferno.

Assim são as ditaduras. Dizem que foram extintas e que agora reina a democracia e com ela a liberdade. Liberdade? Uma vez uma mulher, velha mulher, me disse:

-- Desde quando ir para onde quiser e falar o que quiser é estar livre enquanto que só se vai e se diz de acordo com as possibilidades que lhe dispõem? Desde quando se faz liberdade somente com isso? Saúde roubada, sentimentos roubados, pensamentos roubados, subjetividade violentada sutilmente. Liberdade? A democracia democratizou e aperfeiçoou a ditadura, reproduziu, temos agora inúmeras ditaduras.

Então ela recolheu seus farrapos que lhe sobravam ainda de vida, pôs – se a caminhar rumo ao horizonte, pois, segundo ela, no final haveria um pouco mais de vida, mas sei que esse lugar não existe.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

- O que cabe a cada cicatriz... -



Caminhei até aqui e olhei para trás, esperei a poeira levantada pelos meus pés baixar e tentei observar o que eu havia deixado marcado e erguido por todo esse caminho. Na verdade, pouca coisa. Não construí nenhum castelo, nem um lugar qualquer para morar, mas alguns lugares me fizeram sentir vontade de ficar ali, para sempre.


Caminhei até aqui e olhei para trás, nenhum castelo foi construído, tudo o que tenho é essa barraca nessa mochila, nenhum lugar para morar, só sandálias nos pés. Toda cicatriz possui uma meia abertura, que sangra, quando olhamos...

.......

..........................................................

... e escorre do nosso olhar....

Não quero todo o mar, mas apenas uma trilha em meio ao oceano......

sábado, 26 de março de 2011

- Se lançar aos céus -



O Homem de Asas de Metal fechou os olhos e se lançou ao céu


Queria tocar as estrelas

Queria sentir as nuvens

Sentia uma brisa fresca, agradável, leve...

“Isso é divino” – pensou

“Nesse agora, não há dúvidas.....

E nem certezas....

Apenas momento.”

domingo, 6 de março de 2011

- O deus silencioso -



Markt é um deus silencioso, servimos sem saber, nos aperfeiçoamos, nos preparamos, morremos para sobreviver. Aqueles que cuidam de mim... e de você.... e dele e daquele..... cuidam de nossas forças, mas não de nossos corações e pensamentos.


Vida para ser doada, retribuição insuficiente para com meu sacrifício, promoção, mérito falso, marionete sim, isso é realidade. À espreita, nas sombras das atitudes e relações, nos observa o adorarmos, mas não sabemos, não compreendemos ainda essa relação com o novo sagrado, Markt, deus e criador das marionetes. Não vemos as linhas presas em nossos braços e pernas e nem a mão fincada em nossa nuca.

Enquanto isso Gaia vem, dançando, semeando sementes e ceifando cabeças.

É tempo, tempo da colheita, tempo da brisa e do verão, do fogo que cai do céu e devora todas as coisas insensivelmente para nós.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

- Oração ao Deus desconhecido -



Deus, meus xingamentos e insultos não são para você, mas sim para aqueles que dizem ser sua voz. Tenho andado tão longe, minhas pernas estão muito cansadas, meu corpo está muito cansado, tudo o que mais quero é voltar para casa.


As folhas caem dos galhos quando menos esperamos e, quando nos damos conta, no chão se fazem presentes. Deus, nos agarramos à vida e num instante abrimos nossas mãos e caímos. Tudo o que mais quero é voltar para casa. Tudo o que mais quero é abraçar a mim mesmo.

sábado, 1 de janeiro de 2011

- O Encontro Consigo Mesmo - Cap. IV - O grande olho metafísico e a arte nas paredes da casa de vidro -


Como se entra em si? Atirando-se por inteiro. E assim o fiz, atravessei a grande boca. Não me importava com o que me aconteceria, mas permanecer é um sacrifício ao qual não quero me oferecer, é preciso se esvair, deixar o devir te levar e ir. Mais uma vez caí do alto com o rosto impactando no chão, mas dessa vez havia uma claridade meio turva e no chão estava escrito: “fundo do abismo”. Com dificuldade me levantei, pois estava muito cansado. Ao erguer a vista vi algo não antes visto entre tudo aquilo que se pode ver: uma menina, diferente e igual a todas as meninas nunca antes vistas por um único observador, estava presa numa casa de vidro, e um fantasma que se denominava “olho metafísico”, pois assim estava escrito nas paredes de sua retina. A menina, com suas mãozinhas, fazia pequenos buracos nas paredes de vidro, e o grande fantasma cuidava para mantê-la ali, pois observa-la era seu maior passatempo. Mas a menina nunca se cansava, sempre estava disposta a sair dali. Mas num momento de magnífico toque de arte, a menina, ao compreender que, não importando o que fizesse, o “olho metafísico” continuaria a olhar para ela, resolveu decorar a casa, com tintas das mais variadas cores pintou um enorme jardim nas paredes da casa, cobriu o telhado de sonhos e esperanças, e, em meio às flores pintadas, pintou uma porta a qual somente ela sabia como abrir e fechar, portanto sabia sempre como sair sem se render ao grande olho. O fantasma não gostava disso, pois assistir à menina diante das paredes de vidro alimentava sua força, passou então a tornar-se fraco, murcho, chocho, e se entristecia sempre que via como que a casa da menina ficava cada vez mais bonita.


Diante dessa visão que tive senti uma profunda vontade de rir, não contive, minha boca abrui-se numa gargalhada muito gozada.

- O Encontro Consigo Mesmo - Cap. III - A Passagem -



O caminho ao qual sigo torna-se mais escuro a cada passo e, a cada passo, a sensação de ser observado aumenta. Como posso enxergar no escuro? Para enxergar é necessário que uma luz, ao ser refletida nos objetos, toque nossos olhos. Mas, como pode haver luz no mais profundo do abismo? O que diriam os grandes mestres, se é que houve realmente tais santos homens? Santos, o mundo só caminha e torna-se aquilo que deve ser graças aos pecadores, aos pecadores é relegado o poder de ação do devir, somente aqueles que se permitem pecar podem alcançar alguma luz. O que é o pecado senão algo que nos fortalece? O maior pecado é não permitir-se pecar! E o segundo maior pecado é não sofrer a dor que o pecado provoca!


O homem é feito de opostos, morto toca o vivo e vivo toca o morto, assim dizia um sábio (Heráclito), estou aberto para a escuridão nesse momento, e se abrir é tornar-se passagem, de um lado para o outro, minha vida está acesa nesse momento diante da escuridão. Estou aberto para as trevas nesse momento, quero que tome meu coração, pois meu corpo é passagem. Assim como as trevas entram a luz sai, luz interior que enxergamos quanto tocamos as trevas da morte, tudo está escuro, mas tudo é claro dentro de mim.

Nesse momento, o túnel em que eu passava clareou-se, e pude ver que das paredes saíam olhos um pouco maiores que minha cabeça. Observavam-me a todo o momento, suas retinas estavam sujas, mas a atenção era grande sobre mim, todos os meus movimentos eram seguidos por esses grandes olhos. Não havia saída, diante de mim, alem dos olhos, havia uma boca muito grande repleta de dentes pontiagudos que começou a falar.

(B) – Homem de asas de Metal, daqui pra frente não há saída, voltar é inútil, pois a estrada por traz de você foi apagada pelo esquecimento, se seguir a diante, lhe devorarei e meus olhos gozarão de sua derrota. A única coisa que lhe resta é permanecer parado aqui pela eternidade diante de meus olhos. Tu sabes tão bem que se avançar irá sofrer, pois meus dentes rasgarão sua carne e os vermes dessa terra submundana corroerão seus ossos eternamente. Tenha compaixão de si mesmo!!!

(AM) – Um guerreiro avança sempre em frente diante da batalha, vida e morte para ele devem ser igualmente honrosas. Cada passo até aqui foi dolorido demais, cada gota de sangue derramada até aqui foi sagrada demais, quero ver o que há por traz de você, grande boca dos infernos, e, ao ver o que você esconde, farei cair, de todas as paredes, seus grandes olhos, que irão murchar e apodrecer, e não mais vigiará aquilo que deseja. Pode ser que você me devore, mas não há pior tristeza do que permanecer tal e qual para sempre, tristeza e dor são diferentes, a tristeza nos fala de algo que não compreendemos, mas que devemos fazer sem saber o que é, a dor é a tomada de si, que é um prodígio doloroso e terrível, não quero me poupar, quem se poupa da dor sacrifica sua vida ao nada e a entrega ao puro permanecimento. Torne - se larga, pois jamais algo tão extenso quanto eu passou por você.

Então, dito estas palavras, disparei em corrida para atirar – me em sua boca, não há vida sem perigos, não há perigos sem arranhões e feridas.... e dor, é preciso, no combate, por – se diante da espada do adversário, sentir o vento e o cheiro da morte e aceitar todas as possibilidades. É necessário aceitar as derrotas, mas não os atos de covardia, é preciso se expor para sentir e viver verdadeiramente.